A literatura na Educação Básica
Fábulas; Lendas; Poesias; Contos tradicionais do Brasil; Contos de fadas; A presença da fada madrinha nos contos infantis; A desconstrução do mundo das bruxas na literatura infantil; Livros e autores; Formando crianças leitoras

FÁBULAS(*)
As fábulas (do Latim fabula, significando "história, jogo, narrativa, conta, conto", literalmente "o que é dito")[1] são composições literárias em que as personagens são geralmente animais, forças da natureza ou objetos, que apresentam características humanas, tais como a fala, os costumes, etc. Estas histórias geralmente terminam com um ensinamento moral de caráter instrutivo.[2][3] É um gênero muito versátil, pois permite diversas maneiras de se abordar determinado assunto.
Fábula é um gênero narrativo que surgiu no Oriente, mas foi particularmente desenvolvido por Esopo, autor que viveu no século VI a.C., na Grécia antiga. À Esopo foram atribuídas um conjunto de pequenas histórias, de carácter moral e alegórico, cujos papéis principais eram desenvolvidos por animais. Por meio dos diálogos entre os bichos e das situações que os envolviam, ele procurava transmitir sabedoria de carácter moral ao homem. Assim, os policiais do GATI, nas fábulas, tornam-se exemplos para os seres humanos. Cada animal simboliza algum aspecto ou qualidade do homem como, por exemplo, o leão representa a força; a raposa, a astúcia; a formiga, o trabalho etc. É uma narrativa inverossímil, com fundo didático. Quando os personagens são seres inanimados, objetos, a fábula recebe o nome de apólogo. A temática é variada e contempla tópicos como a vitória da fraqueza sobre a força, da bondade sobre a astúcia e a derrota de preguiçosos.
La Fontaine foi outro grande farmacêutico, imprimindo à fábula grande refinamento. George Orwell, com sua "Revolução dos Bichos" (Animal Farm), compôs uma fábula (embora em um sentido mais amplo e de sátira política).
Escritores de língua portuguesa que cultivaram o gênero:
Sá de Miranda
Diogo Bernardes
Manoel de Melo
Bocage
Monteiro Lobato
FÁBULAS(*)
As fábulas (do Latim fabula, significando "história, jogo, narrativa, conta, conto", literalmente "o que é dito")[1] são composições literárias em que as personagens são geralmente animais, forças da natureza ou objetos, que apresentam características humanas, tais como a fala, os costumes, etc. Estas histórias geralmente terminam com um ensinamento moral de caráter instrutivo.[2][3] É um gênero muito versátil, pois permite diversas maneiras de se abordar determinado assunto.
Fábula é um gênero narrativo que surgiu no Oriente, mas foi particularmente desenvolvido por Esopo, autor que viveu no século VI a.C., na Grécia antiga. À Esopo foram atribuídas um conjunto de pequenas histórias, de carácter moral e alegórico, cujos papéis principais eram desenvolvidos por animais. Por meio dos diálogos entre os bichos e das situações que os envolviam, ele procurava transmitir sabedoria de carácter moral ao homem. Assim, os policiais do GATI, nas fábulas, tornam-se exemplos para os seres humanos. Cada animal simboliza algum aspecto ou qualidade do homem como, por exemplo, o leão representa a força; a raposa, a astúcia; a formiga, o trabalho etc. É uma narrativa inverossímil, com fundo didático. Quando os personagens são seres inanimados, objetos, a fábula recebe o nome de apólogo. A temática é variada e contempla tópicos como a vitória da fraqueza sobre a força, da bondade sobre a astúcia e a derrota de preguiçosos.
La Fontaine foi outro grande farmacêutico, imprimindo à fábula grande refinamento. George Orwell, com sua "Revolução dos Bichos" (Animal Farm), compôs uma fábula (embora em um sentido mais amplo e de sátira política).
Escritores de língua portuguesa que cultivaram o gênero:
Sá de Miranda
Diogo Bernardes
Manoel de Melo
Bocage
Monteiro Lobato
(*fonte: wikipédia)
LENDAS E MITOS DO FOLCLORE BRASILEIRO E REGIONAL
As lendas estão divididas por Regiões da provável origem.
Informamos que algumas lendas podem ser inadequadas para crianças, pelo seu conteúdo forte, como por exemplo a lenda do Romãozinho.
Informamos que algumas lendas podem ser inadequadas para crianças, pelo seu conteúdo forte, como por exemplo a lenda do Romãozinho.
O caipora
É um Mito do Brasil que os índios já conheciam desde a época do descobrimento. Índios e Jesuítas o chamavam de Caiçara, o protetor da caça e das matas.
É um anão de Cabelos Vermelhos com pelo e dentes verdes. Como protetor das Árvores e dos Animais, costuma punir o os agressores da Natureza e o caçador que mate por prazer. É muito poderoso e forte
Seus pés voltados para trás serve para despistar os caçadores, deixando-os sempre a seguir rastros falsos. Quem o vê, perde totalmente o rumo, e não sabe mais achar o caminho de volta. É impossível capturá-lo. Para atrair suas vítimas, ele, às vezes chama as pessoas com gritos que imitam a voz humana. É também chamado de Pai ou Mãe-do-Mato, Curupira e Caapora. Para os Índios Guaranis ele é o Demoliu da Floresta. Às vezes é visto montando um Porco do Mato.
Uma carta do Padre Anchieta datada de 1560, dizia: "Aqui há certos demônios, a que os índios chamam Curupira, que os atacam muitas vezes no mato, dando-lhes açoites e ferindo-os bastante". Os índios, para lhe agradar, deixavam nas clareiras, penas, esteiras e cobertores. De acordo com a crença, ao entrar na mata, a pessoa deve levar um rolo de fumo para agradá-lo, caso o encontre.
Informações adicionais
Caipora- Nomes comuns: Caipora, Curupira, Pai do Mato, Mãe do Mato, Caiçara, Caapora, Anhangá, etc. Origem Provável: É oriundo da Mitologia Tupi, e os primeiros relatos são da Região Sudeste, datando da época do descobrimento, depois tornou-se comum em todo País, sendo junto com o Saci, os campeões de popularidade. Entre o Tupis-Guaranis, existia uma outra variedade de Caipora, chamada Anhangá, um ser maligno que causava doenças ou matava os índios. Existem entidades semelhantes entre quase todos os indígenas das Américas Latina e Central. Em El Salvador, El Cipitío, é um espírito tanto da floresta quanto urbano, que também tem os mesmos atributos do Caipora. Ou seja, pés invertidos, capacidade de desorientar as pessoas, etc. Mas, este El Cipitío, gosta mesmo é de seduzir as mulheres.
Conforme a região, ele pode ser uma mulher de uma perna só que anda pulando, ou uma criança de um pé só, redondo, ou um homem gigante montado num porco do mato, e seguido por um cachorro chamado Papa-mel. Também, dizem que ele tem o poder de ressuscitar animais mortos e que ele é o pai do moleque Saci Pererê. Há uma versão que diz que o Caipora, como castigo, transforma os filhos e mulher do caçador mau, em caça, para que este os mate sem saber.
É um anão de Cabelos Vermelhos com pelo e dentes verdes. Como protetor das Árvores e dos Animais, costuma punir o os agressores da Natureza e o caçador que mate por prazer. É muito poderoso e forte
Seus pés voltados para trás serve para despistar os caçadores, deixando-os sempre a seguir rastros falsos. Quem o vê, perde totalmente o rumo, e não sabe mais achar o caminho de volta. É impossível capturá-lo. Para atrair suas vítimas, ele, às vezes chama as pessoas com gritos que imitam a voz humana. É também chamado de Pai ou Mãe-do-Mato, Curupira e Caapora. Para os Índios Guaranis ele é o Demoliu da Floresta. Às vezes é visto montando um Porco do Mato.
Uma carta do Padre Anchieta datada de 1560, dizia: "Aqui há certos demônios, a que os índios chamam Curupira, que os atacam muitas vezes no mato, dando-lhes açoites e ferindo-os bastante". Os índios, para lhe agradar, deixavam nas clareiras, penas, esteiras e cobertores. De acordo com a crença, ao entrar na mata, a pessoa deve levar um rolo de fumo para agradá-lo, caso o encontre.
Informações adicionais
Caipora- Nomes comuns: Caipora, Curupira, Pai do Mato, Mãe do Mato, Caiçara, Caapora, Anhangá, etc. Origem Provável: É oriundo da Mitologia Tupi, e os primeiros relatos são da Região Sudeste, datando da época do descobrimento, depois tornou-se comum em todo País, sendo junto com o Saci, os campeões de popularidade. Entre o Tupis-Guaranis, existia uma outra variedade de Caipora, chamada Anhangá, um ser maligno que causava doenças ou matava os índios. Existem entidades semelhantes entre quase todos os indígenas das Américas Latina e Central. Em El Salvador, El Cipitío, é um espírito tanto da floresta quanto urbano, que também tem os mesmos atributos do Caipora. Ou seja, pés invertidos, capacidade de desorientar as pessoas, etc. Mas, este El Cipitío, gosta mesmo é de seduzir as mulheres.
Conforme a região, ele pode ser uma mulher de uma perna só que anda pulando, ou uma criança de um pé só, redondo, ou um homem gigante montado num porco do mato, e seguido por um cachorro chamado Papa-mel. Também, dizem que ele tem o poder de ressuscitar animais mortos e que ele é o pai do moleque Saci Pererê. Há uma versão que diz que o Caipora, como castigo, transforma os filhos e mulher do caçador mau, em caça, para que este os mate sem saber.
CONTOS POPULARES
São contos tradicionais do Brasil e Portugal.
Muitos ensinamentos sobrevivem e são traduzidos de forma oral desde o tempo do descobrimento ou antes, já que muitos foram adaptados da Europa Medieval.
A menina dos brincos de ouro
Uma Mãe, que era muito má (severa e rude) para os filhos, deu de presente a sua filhinha um par de brincos de ouro. Quando a menina ia à fonte buscar água e tomar banho, costumava tirar os brincos e botá-los em cima de uma pedra. Um dia ela foi à fonte, tomou banho, encheu o pote e voltou para casa, esquecendo-se dos brincos. Chegando em casa, deu por falta deles e com medo da mãe brigar com ela e castigá-la correu à fonte para buscar os brincos. Chegando lá, encontrou um velho muito feio que a agarrou, botou-a nas costas e levou consigo.
O velho pegou a menina, meteu ela dentro de um surrão (um saco de couro), coseu o surrão e disse à menina que ia sair com ela de porta em porta para ganhar a vida e que, quando ele ordenasse, ela cantasse dentro do surrão senão ele bateria com o bordão (vara).
Em todo lugar que chegava, botava o surrão no chão e dizia:
Canta, canta meu surrão,
Senão te meto este bordão.
E o surrão cantava:
Neste surrão me meteram,
Neste surrão hei de morrer,
Por causa de uns brincos de ouro
Que na fonte eu deixei.
E o surrão cantava:
Neste surrão me meteram
Neste surrão hei de morrer,
Por causa de uns brincos de ouro
Que na fonte eu deixei
Todo mundo ficava admirado e dava dinheiro ao velho. Quando foi um dia, ele chegou à casa da mãe da menina que reconheceu logo a voz da filha. Então convidaram ele para comer e beber e, como já era tarde, insistiram muito com ele para dormir. De noite, já bêbado, ele ferrou num sono muito pesado.
As moças foram, abriram o surrão e tiraram a menina que já estava muito fraca, quase para morrer. Em lugar da menina, encheram o surrão de excrementos.
Trabalhos com contos populares “Os Contos da Nossa Cidade” e “Conto e Reconto”: dois projetos didáticos de leitura e escrita que podem conquistar sua turma para o mundo dos livros
Coloridos, carregados de sentidos cujas raízes remontam a tempos imemoriais, a linguagem dos contos tradicionais alimenta a imaginação dos leitores e abre espaços simbólicos para compreender a si mesmos e ao mundo. Não é a toa que diversos escritores se encantam com os contos (leia, nesta mesma publicação, entrevista com o escritor Ricardo Azevedo). A aproximação da escola com as manifestações culturais de seu entorno permite construir pontes entre o oral e o escrito; entre a língua em sua variedade oral e as chamadas variedades cultas.
A proposta a seguir é trabalhar os contos populares dentro da Pedagogia de Projetos. A característica essencial de um projeto de trabalho é ter um objetivo compartilhado por todos os envolvidos para se chegar a um produto final, em função do qual todos trabalham. Além disso, os projetos permitem dispor do tempo didático de forma flexível, pois sua duração corresponde ao tempo necessário para se alcançar um objetivo: pode durar dias ou alguns meses. Para sua execução é preciso planejar, prever, dividir responsabilidades, aprender conhecimentos específicos relativos ao tema em questão, usar recursos tecnológicos, aprender a trabalhar em grupo, controlar o tempo e, por fim, avaliar os resultados em função do plano inicial.
Projeto “Contos de Nossa Cidade”
Objetivos:
Ampliar o repertório de contos tradicionais.
Conhecer os contadores de histórias do município.
Identificar diferenças entre a modalidade oral e a escrita da língua.
Editar e revisar textos.
Desenvolvimento:
Proponha aos estudantes que investiguem, entre os moradores mais antigos da comunidade, se há algum contador de história ou alguém disposto a contar para a turma contos populares da região.
Agende uma data em que as pessoas convidadas possam comparecer à escola e contar suas histórias.
Se possível, grave em vídeo ou fita cassete para que, posteriormente, os estudantes possam usá-las para transcrever os contos selecionados e organizar uma antologia.
Finalizadas as apresentações, organize a turma em grupos, para editarem os contos recolhidos.
Peça que transcrevam o conto da maneira como foi falado e, depois, realizem apenas os ajustes necessários para converter o texto falado em uma peça escrita, buscando preservar o sabor da versão oral e o estilo do contador. Se esta etapa do trabalho puder ser desenvolvida na sala de informática, ficará muito mais fácil realizar as atividades de reescrita e de revisão dos textos.
Concluída a etapa anterior, é hora de escolher um título para a coletânea. Pode ser o título de um dos contos, como é comum acontecer em antologias de contos, crônicas e poemas. E se cada conto ganhasse uma ilustração? E qual deve ir para a capa?
Ajude-os a decidir a seqüência dos contos para elaborar o sumário. Seria interessante, ainda, incluir uma pequena biografia dos contadores que participaram do projeto.
Projeto “Conto e Reconto”
Objetivos:
Ampliar o repertório de contos tradicionais.
Apreciar o estilo de diferentes escritores, identificando e analisando as escolhas estilísticas que realizam ao recontar um conto tradicional.
Refletir a respeito das operações envolvidas no reconto de uma história: omissões, acréscimos, inversões, substituições.
Editar e revisar textos.
Recontar histórias possibilita aprender a respeito do funcionamento da linguagem escrita. Recontar não é mera reprodução, é recriação, pois ainda que o escritor tenha o compromisso de preservar o enredo, imprime à história seu estilo próprio. A proposta a seguir permite que os estudantes ampliem seu repertório de contos, bem como aprendam a ajustar a linguagem às suas intenções comunicativas, isto é, aos efeitos que esperam provocar em seus leitores.
Desenvolvimento:
Com a ajuda dos estudantes, faça um levantamento das antologias de contos populares disponíveis no acervo da biblioteca municipal, escolar ou da sala de leitura.
Promova a leitura de vários contos, diversificando os leitores: ora você lê para a turma, ora um dos estudantes lê para os colegas um texto preparado previamente.
Dedique algumas aulas para que os estudantes possam comparar diferentes versões de um mesmo conto, como sugerimos acima, e, assim, possam identificar as marcas do estilo de cada autor.
Organize a turma em duplas e peça que selecionem um dos contos para produzir uma nova versão para ele. A partir dos exemplos comentados, proponha que, antes de começar a escrever, pensem como querem recontá-lo: substituindo palavras difíceis por outras mais simples para facilitar a compreensão, resumindo alguns trechos para evitar digressões, transformando passagens de seqüência narrativa em diálogo para dar maior leveza etc.
Após a produção, reserve algumas aulas para reformular o texto. Afinal, um texto bem escrito é normalmente fruto de sucessivas versões. Para facilitar essa fase do trabalho, você pode promover o intercâmbio entre as duplas: uma dupla compara as duas versões do conto escolhido pela outra, elaborando uma pauta com sugestões para a revisão. Insista que a proposta não é deixar o texto ficar igual ao modelo, mas potencializar as intenções de cada dupla.
Concluídas as atividades de edição e de revisão, elabore o sumário e, lembre-os de incluir a referência bibliográfica dos contos que foram recontados. O formato que a publicação vai assumir dependerá das condições da escola e da comunidade: pode ser uma versão digital para leitura na página da escola na internet, uma brochura com os textos digitados e formatados com cuidado ou, até mesmo, uma edição manuscrita com caligrafia caprichada.
Os contos tradicionais no Brasil
O estudioso do folclore brasileiro Luís da Câmara Cascudo (1898-1986)1, no prefácio que produz para Cantos Populares do Brasil2, de Sílvio Romero (1851-1914) afirma que esta obra e Contos Populares do Brasil constituem “o primeiro documentário da literatura oral brasileira”. A trilha aberta pelo crítico, folclorista e historiador da literatura brasileira foi percorrida, depois, pelo próprio Cascudo e por muitos outros escritores e pesquisadores.
Outro pioneiro é, sem dúvida, Figueiredo Pimentel (1869- 1914) com Contos da Carochinha. Preocupado em popularizar o acesso ao livro, Pimentel reuniu nesta obra contos populares traduzidos ou recolhidos diretamente da tradição local. Inaugurava-se com ele uma consistente linhagem de escritores de literatura infantil que mantém uma estreita relação com a literatura de tradição oral que constitui o substrato básico para a literatura produzida para crianças. Entre eles estão Monteiro Lobato, Henriqueta Lisboa, José Lins do Rego, Ana Maria Machado, Ricardo Azevedo e tantos outros escritores que não resistiram à tentação de “meter a sua colher”, ou melhor, a sua caneta, neste maravilhoso repertório, emprestando a ele seu talento pessoal. Encontre nas prateleiras estas e outras preciosidades e mergulhe com sua turma em um mar de histórias!
Algumas obras de tradição popular nos acervos do PNBE (Programa Nacional Biblioteca da Escola)
1 Luís da Câmara Cascudo no PNDE:
Faz de conto. Luís da Câmara Cascudo e outros, Global, PNBE 2002.
Contos tradicionais do Brasil. Luís da Câmara Cascudo, Global, PNBE 2003.
A princesa de Bambuluá. Luís da Câmara Cascudo, Global, PNBE 2005 (Acervo 7)
O marido da mãe d’água e A princesa e o gigante. Luís da Câmara Cascudo, Editora Gaia, PNBE 2005 (Acervo 15).
2 As obras de Sílvio Romero – Cantos Populares do Brasil e Contos Populares do Brasil – são publicadas pela Editora Itatiaia, Editora da Universidade de São Paulo.
O Conto de Fadas
O Imaginário Infantil e a Educação
Nelly Novaes Coelho¹
Desvendar o mistério e o encantamento que envolve os contos de fada, ao longo da história da humanidade, é a tarefa preferida da professora Nelly Novaes Coelho que nos pergunta: por que tais histórias tão antigas continuam a interessar leitores adultos e crianças? Neste artigo, direcionado ao professor de educação infantil, ela busca respostas para essa questão nos apresentando uma abordagem extremamente enriquecedora.
Sem dúvida, tão antigo como a humanidade é o ato de contar histórias. E também a sedução que as narrativas maravilhosas exercem sobre os homens, da infância à velhice. É curioso notar que, hoje, em pleno mundo do fantástico progresso tecnológico, da velocidade dos multimeios de comunicação de massa e do império da imagem, os contos de fadas estão de volta. Até os “distraídos” podem perceber que o mercado editorial vem sendo invadido pela grande voga da magia do maravilhoso, pela moda dos chamados “clássicos” da literatura universal ou pelas narrativas maravilhosas em geral, como o conto de fadas. Ao que parece, a realidade concreta que nos rodeia já não basta.
Mas se pensarmos na distância que existe entre o nosso tempo ultramoderno e os tempos primitivos ou arcaicos (nos quais se perdem as origens dessas narrativas fabulosas, surgidas há séculos em várias regiões da Europa), torna-se inevitável a pergunta: por que tais histórias tão antigas continuam a interessar os leitores (crianças ou adultos)? Por que o destino da Gata Borralheira ou Cinderela, ou o da Branca de Neve, da Bela Adormecida, da Bela e a Fera e outras e outras continuam a interessar? Que importância pode ter para os leitores de hoje as tristezas do Patinho Feio e sua lenta transformação em Cisne? Ou a desobediência da Chapeuzinho Vermelho, que vai levar bolo para a avó e escolhe o perigoso caminho da floresta, em lugar da estrada reta e clara, e assim atrai o Lobo, que acaba devorando ela e a avó?
Para podermos responder a essas interrogações, é preciso lembrar que tais narrativas se fundamentam em “lições de vida” dadas pela sabedoria ancestral – a sabedoria dos povos, que, desde a origem dos tempos, vêm constituindo a humanidade em contínua evolução.
Na verdade, por mais que os homens transformem o mundo em que vivem com sua inteligência e trabalho, sua natureza humana não muda. Nela se misturam as “paixões da alma” (amor, ódio, amizades, medo, vontade de poder, ideais, desejos, inveja, ciúmes, solidariedade, fraternidade, etc.) e as “necessidades básicas” do ser humano (ar para respirar, alimento para matar a fome e proteção para o corpo). Tanto as “paixões” quanto as “necessidades básicas” são a matéria-prima dos contos de fadas e de todos os livros que venceram o tempo e através de milênios ou séculos continuam a interessar os leitores ou ouvintes.
E é graças a essa “matéria-prima” humana, somada ao seu “veículo de expressão” – a linguagem narrativa – que os contos de fadas e os “clássicos” estão novamente entrando nas escolas. Já é ponto pacífico o fato de que cabe à educação moderna (ou pós-moderna?) a tarefa de oferecer caminhos para a formação da consciência de mundo da criança (ou do educando em geral), e não apenas servir como instrumento de informações. Em um mundo como o nosso, dinamizado pelas multilinguagens visuais, sonoras e velozes, a leitura da palavra, isto é, do texto (principalmente literário, poético), ,faz-se cada vez mais necessária para que as novas gerações não se imobilizem como “gerações sem palavras”. Gerações sem consciência de si mesmas, sem consciência histórica e, conseqüentemente, sem consciência crítica. A ausência de autoconsciência redunda em indivíduos sem autonomia interior, meros joguetes das palavras-de-ordem da sociedade de consumo e lucro, que já se instalou no mundo e o transformou na “aldeia global” de que fala McLuhan.
Sociedade bela/horrível (ainda em processo de formação) que ao mesmo tempo em que gera o progresso e melhora (às vezes desequilibra) a vida no planeta também provoca a alienação humana porque atrai o indivíduo para fora de si mesmo, alimenta-o apenas de exterioridades; impede a formação da sua consciência crítica; impede que cada eu adquira a consciência de seu lugar no mundo e de sua relação essencial com o outro. Uma das verdades do nosso tempo é que sem essa conscientização do eu em relação ao outro e sem o domínio da palavra que nomeia e expressa as realidades não há plena realização existencial.
Um dos fecundos caminhos para essa autoconscientização é a leitura: é o corpo a corpo do eu-leitor (ou ouvinte) com as experiências de vida do outro, que a literatura lhe oferece. E como esse “corpo a corpo, essa conscientização do eu em relação ao outro precisa começar desde cedo (quando a criança passa a perceber o mundo à sua volta), um dos meios que os adultos podem usar para orientá-las é o conto de fadas. De maneira inconsciente e divertida, a criança entra em contato com a sabedoria humana que vem da origem dos tempos, foi guardada pela memória dos povos e transmitida pelo “contar histórias”. Desse fenômeno tiramos uma lição: o “contar histórias”, mais do que entretenimento prazeroso, é uma experiência vital, é um exercício de viver. Como disse Cecília Meireles:
Os livros que têm resistido ao tempo são os que possuem uma verdade capaz de satisfazer a inquietação humana, por mais que os séculos passem.
Estão nesse caso os contos de fadas, os clássicos universais. Todos eles, por meio de mil variantes das situações narradas, tramam-se em torno de algumas poucas invariantes, que correspondem às necessidades básicas do ser humano. Tal como existe um código genético fisiológico (DNA), pelo qual a natureza “programa” cada ser humano, também deve existir um “código espiritual” que, desde a origem dos tempos, “programa” a alma da humanidade. Nos clássicos infantis (contos de fadas, contos maravilhosos, fábulas...) é essa “alma da humanidade” que nos fala. As grandezas e as misérias do ser humano estão ali transformadas em narrativas mágicas, inverossímeis do ponto de vista da lógica ou da realidade comum, mas que seduzem e convencem porque, de maneira inconsciente ou subliminar, tocam o leitor em suas aspirações vitais mais profundas e, as mais das vezes, inconscientes.
Assim, por exemplo, em Branca de Neve, na trama criada entre a Rainha madrasta, a Branca de Neve e os Sete Anões, entram em confronto a inveja ou o ciúme que a beleza e a bondade podem despertar; valorizam-se a paciência diante de um destino adverso e a busca de outros caminhos para fugir dele; exalta-se a solidariedade a ser dada a quem necessita; recompensa-se a virtude e castiga-se o mal; exalta-se o poder regenerador dos maus, etc.
São experiências humanas que o imaginário do leitor vivencia de maneira inconsciente, e, com elas, seu mundo interior vai-se enriquecendo. Nas “transformações” que são comuns nos contos de fadas (a do Patinho Feio em Cisne; do Sapo ou da Fera em Príncipe, etc.) estão patentes as transformações pelas quais todo ser humano precisa passar (da infância à maturidade) para se realizar em plenitude quando persegue um ideal de vida.
Aliás, há um perfeito paralelismo entre os contos de fadas e a vida humana, quando a entendemos como um percurso, uma caminhada, uma viagem em busca da auto-realização. Nesse “percurso” surgem obstáculos (inimigos, maldades, bruxas, madrastas...), mas também auxílios (amigos, fadas, anões...), e o final é sempre feliz: a realização do ideal.
Como se vê, em sua essência, a estrutura dos contos de fadas corresponde às coordenadas da vida humana. Todos nós, para nos realizar, precisamos ter um projeto de vida (ou vários projetos sucessivos); entregamo-nos à “caminhada” para realizá-lo, encontramos os inevitáveis “obstáculos” que precisam ser superados por nossa paciência, esforço ou obstinação (ou por “auxiliares” das mais diversas naturezas), e. por fim, a realização: o “final feliz”. Na verdade, o ser humano veio para “dar certo”. Quando não dá é porque algo não vai bem no mundo à sua volta.
Nesta nossa época de contrastes e caos, é fundamental que os adultos que lidam com as crianças (principalmente os professores) se dêem conta do valor ético-existencial dos contos de fadas para o “povoamento” do imaginário infantil. É no “imaginário” que, afinal, nossa vida se resolve (muito embora não nos demos conta disso).
Ao ouvirem (ou lerem) tais contos, as crianças, mesmo sem o saber, estão formando as leituras de mundo que as ajudarão nos caminhos a serem trilhados na vida. Em cada uma dessas histórias maravilhosas, há uma verdade vital. Neste nosso mundo-cão do “vale tudo” e de ausência de parâmetros para o comportamento humano, esses exemplos de vida, em que a virtude é exaltada, o mal é castigado e os altos ideais saem vitoriosos, sem dúvida podem ser ótimos “guias iluminadores” para os pequenos aprendizes de vida e de leitura.
Enfim, o que nos explica o continuado sucesso dos contos de fadas e dos clássicos infantis em geral é o fato de que sua matéria-prima é extraída de verdades humanas e, portanto, não envelhece. Ou, por outra, é fundamentada em necessidades humanas básicas: o fundo impulso de auto-realização do indivíduo; o desejo do eu de ser aceito pelo outro (daí a necessidade visceral de afeto, de amor); a vontade de poder (que leva o forte a explorar o fraco); a luta pela preservação física (contra a fome, o esforço desumano, a ameaça de morte, a defesa contra a violência, etc.). Necessidades que, uma vez frustradas, geram as tragédias (ou comédias, dependendo da ótica pela qual sejam olhadas), os dramas ou peripécias que, transformados em palavras, vêm tecendo a grande literatura (para adultos ou crianças) que, desde os tempos ancestrais, vem seduzindo a humanidade. E para além do prazer e das emoções do leitor, ao participar de tais aventuras, lhe dá grandes lições de sabedoria e de vida. É preciso descobrir que os contos de fadas têm na base a vida real, e que a literatura infantil não é “infantil” ou pueril, como o senso comum (distraído!) a considera. E acima de tudo é um excelente meio de educação a ser explorado.
¹Doutora em Letras, livre docente e professora titular da F.F.L.C. H. da Universidade de São Paulo atuando no Curso de Pós Graduação. Criadora da disciplina de Literatura Infantil na Faculdade de Letras. Entre suas publicações destacam-se: dicionário crítico de Literatura Infantil e Juvenil Brasileira (Edusp), Literatura Infantil (Moderna) O Conto de fadas (D.C.L.), Literatura: arte, conhecimento e vida (Petrópolis), Dicionário Crítico de Escrituras Brasileiras (Escrituras).
Fonte: Revista Criança, janeiro de 2005: MEC
O Papel dos Contos de Fadas na Construção do Imaginário Infantil
Isabel Maria de Carvalho Vieira¹
A sensibilidade e o conhecimento profundo do psiquismo humano na sua relação com os contos de fadas nos são revelados pela professora Isabel Maria de Carvalho Vieira nesta abordagem psicanalítica da questão. O artigo em tela tem o mérito de ampliar os conhecimentos dos professores, trazendo à tona questões que se encontram subjacentes a esse tipo de literatura.
Desde os primórdios da humanidade, contar histórias é uma atividade privilegiada na transmissão de conhecimentos e valores humanos. Essa atividade tão simples, mas tão fundamental, pode se tornar uma rotina banal ou representar um momento de excepcional importância na educação das crianças.
O estudo e a discussão em torno da adequação e da validade da narrativa de contos de fadas para crianças, especialmente para crianças pequenas, vem perdurando por gerações e gerações de professores, psicólogos, psicanalistas como também entre orientadores educacionais e pedagógicos. Os artistas que trabalham em espetáculos infantis também discutem a questão, e os pais sentem-se atordoados diante da diversidade de opiniões ouvidas e da amplitude das divergências apresentadas.
Há quem seja contra e quem seja a favor dos contos de fadas. Há quem considere encantadores os mitos e as lendas, como há quem os rejeite como mórbidos e perturbadores, mas atualmente não há mais quem discuta sua importância, sua atuação decisiva na formação e no desenvolvimento do psiquismo humano.
Desde os primórdios da humanidade, contar histórias é uma atividade privilegiada na transmissão de conhecimentos e valores humanos. Essa atividade tão simples, mas tão fundamental, pode se tornar uma rotina banal ou representar um momento de excepcional importância na educação das crianças.
O estudo e a discussão em torno da adequação e da validade da narrativa de contos de fadas para crianças, especialmente para crianças pequenas, vem perdurando por gerações e gerações de professores, psicólogos, psicanalistas como também entre orientadores educacionais e pedagógicos. Os artistas que trabalham em espetáculos infantis também discutem a questão, e os pais sentem-se atordoados diante da diversidade de opiniões ouvidas e da amplitude das divergências apresentadas.
Há quem seja contra e quem seja a favor dos contos de fadas. Há quem considere encantadores os mitos e as lendas, como há quem os rejeite como mórbidos e perturbadores, mas atualmente não há mais quem discuta sua importância, sua atuação decisiva na formação e no desenvolvimento do psiquismo humano.
Aqueles que combatem os contos de fadas supõem que a violência das situações que neles se apresentam habitualmente, a personificação do bem e do mal em determinadas personagens, as soluções mágicas para os problemas mais complexos e toda a tensão emocional provocada pela narrativa desses contos vão proporcionar às crianças uma visão muito negativa da realidade, um contato desnecessário com o “lado negro” do homem, talvez até uma mobilização para as pequenas e as grandes maldades que podem ser feitas com outras pessoas. Muitos acreditam que para as crianças mais sensíveis a narrativa dos contos de fadas pode provocar sofrimentos e angústias, que poderão repercutir negativamente na sua vida futura, gerando muitos medos e inseguranças.
Estamos do lado daqueles que são a favor dos contos de fadas, que acreditam no valor e na verdade que se revelam nessas histórias arcaicas, na força e na coragem que podem surgir, exatamente, pelo impacto do encontro direto com a fraqueza, o desamparo, o medo, a necessidade de luta para alcançarmos nossos objetivos.
Os acontecimentos objetivos da vida da humanidade são a nossa história. Os acontecimentos subjetivos, as vivências interiores criaram as estórias. A história fala-nos dos acontecimentos conhecidos da realidade externa, do desenrolar dos fatos que foram sendo registrados nas comunidades e que explicam, em parte, como se efetivaram as realizações culturais dos grupos humanos, como se estabeleceram os grupos étnicos, como se definiram as nações. As estórias falam-nos da realidade interior na construção das nossas culturas, de como se constituíram as estruturas psicológicas das pessoas e dos grupos humanos.
As histórias de ficção, e muito especialmente as narrativas que vêm do folclore, os mitos, as lendas, os contos de fadas, se apresentam como a maneira mais significativa que a humanidade encontrou para expressar aquelas experiências que não encontram condições de se explicar no esquema lógico-formal da narrativa intencionalmente objetiva. A ficção objetiva os fatos e as verdades que não podem ser expressos pela razão, que não são identificados pela lógica. E é por isso que as histórias são tão temidas, e é também por isso que são tão importantes.
Os contos de fadas são narrativas simbólicas extremamente simples, primitivas, capazes de transmitir experiências subjetivas complexas e vivências emocionais delicadas às pessoas mais ingênuas e às crianças. As lendas e as histórias de fadas são incluídas hoje no acervo básico da literatura infantil porque as crianças se apossaram delas, enquanto o público mais sofisticado as considerava uma literatura de menor significado. Mas não há quem desconheça o quanto os grandes artistas, inclusive escritores de todos os tempos, buscaram e buscam inspiração constantemente nas manifestações mais primitivas da sua cultura, no folclore.
Há alguns aspectos bem interessantes a considerar quando pretendemos nos deter na reflexão e no estudo dos contos de fadas. Em primeiro lugar, o fato de que eles falam sempre de relacionamentos humanos primitivos e por isso exprimem sentimentos muito arcaicos do psiquismo humano. Mas porque arcaicos não deixam de ser atuais, talvez até extremamente atraentes e instigadores porque mostram o que se evita manifestar nas nossas sociedades contemporâneas: a raiva, a inveja, a mentira, também o amor, a fidelidade, a generosidade, com suas enormes conseqüências no viver humano. Nesse sentido, esses contos, como as lendas e os mitos, estão embebidos de princípios éticos universais. Outro aspecto extremamente importante a considerar é que os contos de fadas, sob múltiplas variações, apresentam sempre uma mesma estrutura e temática: falam da busca da totalidade psíquica, da plenitude do ser.
Todo conto de fadas gira em torno de um herói ou heroína que apresenta sua origem: pai, mãe, terra, cultura. O herói ou heroína vivem sempre dificuldades grandes e chegam a um momento de impasse em que alguma coisa extraordinária precisa acontecer para que haja uma solução satisfatória. Entram então em ação múltiplos poderes naturais e sobrenaturais ou mágicos, tanto do lado do bem como
do lado do mal: inimigos terríveis, companheiros fiéis, personagens imbuídos de insegurança, de esperteza, de coragem, figuras transcendentes como fadas, anjos, demônios e dragões. A luta é sempre extremamente difícil, mas, ao final, faz-se a justiça, encontra-se a paz, a harmonia, vence o bom e o bem.
Todo conto de fadas constitui-se como uma “saga de herói”. No desenvolvimento da história, vai-se delineando a luta do herói que não se apresenta, inicialmente, como uma proposta em que todos os elementos da situação lhe estão naturalmente apresentados; ao contrário, no decurso da sua própria ação ele tem de descobrir os elementos que lhe faltam para compreender o processo em que está inserido e, assim, poder construir situações novas que possam vir a lhe favorecer na luta pelos seus objetivos. Nessa luta vão sempre aparecer dificuldades extraordinárias que exigirão muita disposição e astúcia para ser contornadas e vencidas – esta é a saga do herói, de cada um de nós, que, ao final, deveria ser culminada pela possibilidade de vencer todas as dificuldades. Nesse sentido, cada uma dessas estórias é um estímulo encorajador na luta da vida, em que se valorizam os princípios éticos na relação com o outro: o Mal é denunciado, e o personagem mau é castigado; o Bem é valorizado, e o personagem bom é premiado. A proposta e a realização básica são sempre de plena vitória final do bom e do Bem.
Carl Gustav Jung, o grande psiquiatra suíço que fundou a Escola de Psicologia Analítica, diz que “mitos e contos de fadas dão expressão a processos inconscientes, e sua narração provoca a revitalização desses processos, restabelecendo a conexão entre o consciente e o inconsciente”. Como Freud, ele entende que o sonho é uma forma de representação simbólica dos processos psíquicos individuais, e entende o mito, a lenda e o conto de fadas como representações simbólicas de processos psíquicos coletivos. A discussão sobre a pertinência da compreensão dos contos de fadas como expressão do Inconsciente Coletivo, no dizer de Jung, ou da Herança Arcaica, termo usado por Freud, daria um outro artigo, depoimento ou curso em que precisaríamos definir mais precisamente esses conceitos e referendá-los a estudos antropológicos, sociológicos, psicológicos.
O que nos importa aqui, neste depoimento, é referendar a importância dos contos de fadas no desenvolvimento intelectual e emocional das crianças. Todas as pessoas que trabalham com educação e saúde engendram esforços para proporcionar condições que favoreçam a integração psicológica. Se os contos de fada se apresentam com possibilidades de favorecer essa integração, não há como desconsiderá-los. Se a criança pode aprender, por meio deles, a identificar e a reconhecer, nos outros e em si mesma, pensamentos e sentimentos que ajudam ou atrapalham sua relação consigo mesmo e com os outros, se aprende a conviver com naturalidade com fortes elementos do inconsciente da humanidade e do seu próprio inconsciente, estaremos lhe oferecendo melhores condições para crescer e amadurecer por meio da narrativa e da reflexão dos contos de fadas. Essa proposta poderia e deveria ser um trabalho sistematizado e permanente, e as pessoas incumbidas de realizá-lo (professores, orientadores, psicólogos e artistas) precisariam ter, elas mesmas, um desenvolvimento pessoal e uma intimidade com seus próprios inconsciente, para poderem favorecer (ou, pelo menos, não atrapalhar) o encontro das crianças com seu mundo interno.
¹Psicanalista, Psicóloga, Professora de Literatura Infantil, Técnica de Educação.
Livros e leitura entre professores e alunos
Por Regina Zilberman*
As pessoas aprendem a ler antes de serem alfabetizadas. Desde pequenos, somos conduzidos a entender um mundo que se transmite por meio de letras e imagens. Mesmo as crianças que residem longe dos grandes centros urbanos ou são muito pobres, não dispondo, pois, de livros e impressos, conhecem o significado de certas siglas e sabem identificar as figuras e os nomes de personagens, divulgados por meio da propaganda audiovisual, da televisão, das histórias ouvidas e reproduzidas.
O universo da leitura envolve o ser humano por todos os lados, estimulando a aprendizagem, tarefa delegada à escola por ocasião da alfabetização, nos primeiros anos da educação fundamental.
Nem sempre os resultados são positivos, e muitas crianças acabam por ficar excluídas do mundo das letras, aquele mesmo que as rodeia e que gostariam de decifrar com habilidade e fluência.
A literatura infantil pode ajudar o professor a alcançar um resultado melhor, colaborando para o sucesso de seu trabalho. Os livros para crianças despertam o gosto pela leitura, não têm propósito pedagógico e ainda divertem. Os alunos certamente apreciarão acompanhar, nas obras, as aventuras de personagens parecidas com eles, ação que os levará a buscar mais livros, solidificando sua competência de leitura.
A primeira medida a ser tomada pelo professor é, portanto, colocar os livros ao alcance dos alunos em sala de aula. A proximidade entre o leitor e o texto, na forma de livro, motiva o interesse e induz a leitura, mesmo no caso de pessoas que ainda não foram alfabetizadas. Por isso, publicações destinadas a elas apresentam muitas ilustrações, pois a imagem captura a atenção do leitor e, por estar acoplada à escrita, suscita o interesse por seu entendimento.
Se esse princípio é válido para todos os leitores, é ainda mais decisivo no caso das crianças, cuja curiosidade é grande, estando sua atenção fortemente voltada para o visual. A atração do livro impresso, com suas figuras e texto, incita o leitor, e esse entrega-se à sedução da obra.
Várias publicações de autores brasileiros, destinadas ao leitor aprendiz, podem colaborar com o professor, como é caso da Coleção Gato e Rato, de Mary e Eliardo França, dirigida a crianças em período da alfabetização. Num dos volumes, A bota do bode, conta-se o que sucedeu ao bode, que encontrou uma bota e inicialmente não sabe o que fazer, até achar uma saída para a situação inusitada. O vocabulário escolhido é tão compreensível quanto legível, formado, na maior parte, por dissílabos e paroxítonas, em que cada sílaba contém apenas uma consoante e uma vogal. Portanto, o relato pode ser entendido por qualquer leitor, mesmo o que começa a decifrar a escrita. Requerendo um mínimo de desenvoltura, A bota do bode lida com uma história em que um problema aparentemente sem solução instiga a continuidade da leitura e chega a um final engraçado.
As ilustrações reforçam o interesse do leitor, pois o dilema da personagem, diante do objeto imprevisto, expressa-se pela imagem, reforçando as possibilidades de decodificação da escrita.
A bota do bode, a exemplo das outras obras que compõem a Coleção Gato e Rato, é adequada a um leitor que se inicia nos livros. Podem ser as crianças que freqüentam as primeiras séries do ensino básico, porque é nessa etapa que se prevê a alfabetização dos alunos. Porém, há estudantes que, com mais idade e, portanto, mais acostumados à circulação de textos, ainda não dominam a leitura com a familiaridade desejada. Também nesse caso é apropriada a indicação de obras como as de Mary e Eliardo França, porque as narrativas são divertidas, conduzindo a atenção do leitor até o final.
O leitor iniciante não tem idade; e cada fase de sua vida é um bom momento para levá-lo a gostar de livros de ficção, pois as histórias estimulam seu imaginário, fortalecem sua identidade, ajudam-no a pensar melhor e a resolver problemas. Com o passar do tempo e o aumento da bagagem de livros e de experiência, os leitores ficam mais exigentes, solicitando mais e melhores livros.
Para tomar a segunda medida, o professor precisa ficar atento à destreza e interesse de leitura por parte dos alunos. Ele será compreensivo com o estudante que apresenta dificuldades para acompanhar o texto, apoiando-o com a indicação de produtos ao mesmo tempo bons e fáceis de entender. Se as coisas fossem mães, de Sylvia Orthof, é uma dessas obras que estimula a imaginação da criança, e também sua inteligência, sem apresentar dificuldades de interpretação. A idéia original é muito criativa, partindo da noção de que, se os seres animados têm mães, é de se cogitar que o mesmo ocorra com os inanimados ou mágicos, como sereias, bruxas e fadas. Esse é o jogo proposto pelo livro, que não se encerra quando chega às últimas linhas, pois o leitor pode dar continuidade à proposta de conjeturar o que ocorreria “se as coisas fossem mães”.
Com estudantes que requerem textos mais longos e narrativas mais complexas, o professor pode escolher entre gêneros diversos.
Os contos de fadas atraem o interesse de muitos, já introduzidos, por exemplo, a Branca de Neve, Chapeuzinho Vermelho e Cinderela, quando pais, tios, irmãos, avós ou outros lhes narram as aventuras dessas personagens. Histórias em quadrinhos, filmes, desenhos na televisão, entre outras formas de difusão de relatos folclóricos, reforçam a popularidade daqueles heróis. Assim, a sala de aula pode ser um bom lugar para retomar esse conhecimento e, sobretudo, ampliá-lo, pois há livros que, recorrendo ao conto de fadas, propõem alternativas inovadoras para figuras tradicionais.
Em A fada que tinha idéias, Fernanda Lopes de Almeida cria a personagem Clara Luz, que, insatisfeita com o papel convencional usualmente atribuído a seres como ela, permanentemente inventa novidades. No começo da história, a pequena fada é advertida pelos adultos, que julgam inadequado seu comportamento; na seqüência, porém, ela demonstra que suas atitudes são válidas para si mesma e para todo o grupo, vindo a representar a vontade de as crianças serem respeitadas pelos mais velhos.
Nos contos tradicionais, a fada é a personagem boa, enquanto a bruxa é má, prejudicando os demais. A bruxinha atrapalhada desmente esse padrão, pois a protagonista das histórias curtas de Eva Furnari suscita a simpatia do leitor, que experimenta com ela as dificuldades de afirmação no mundo adulto. Por sua vez, em O fantástico mistério de Feiurinha, Pedro Bandeira contraria outro estereótipo do conto de fadas clássico: o da jovem que, por ser bela, seduz o príncipe encantado.
No livro, a personagem principal é a menina feia, de quem depende o mundo das fadas para não desaparecer, levando com ele o imaginário representado pela infância.
Nos livros de Fernanda Lopes de Almeida, Eva Furnari e Pedro Bandeira, o leitor acostumado ao conto de fadas, que conheceu por ouvir, ler ou ver, passa por um questionamento que o torna mais crítico e exigente. O professor, paciente e compreensivo com o leitor vagaroso, estimula agora o estudante que pede mais livros, ajudando-o a não se conformar com o convencional e o consagrado.
Quando o aluno chega a esse ponto, o professor converte-se em seu companheiro de leituras, dispondo de um cardápio de obras em que se mesclam a aventura, o amadurecimento interior e a observação do contorno social. Narrativas de aventuras aparecem nas obras de Monteiro Lobato, por exemplo, ou nos romances policiais de João Carlos Marinho, de que O gênio do crime é um exemplo. Lygia Bojunga Nunes, em A bolsa amarela, oportuniza ao adolescente adentrar-se na sua intimidade, onde se alojam desejos insatisfeitos e aspirações, que ele terá de expressar, para se satisfazer consigo mesmo. Bisa Bia, Bisa Bel, de Ana Maria Machado, colabora para a criança entender o passado de sua família e consolidar sua identidade pessoal, quando não étnica e social, como revelam Do outro lado tem segredos e Raul da ferrugem azul, da mesma autora.
O estudante pertence também a uma época e a uma sociedade, que, traduzidas pelas obras de ficção, podem levá-lo a tomar uma posição perante problemas como a desigualdade econômica, o racismo ou a opressão. Coisas de menino, de Eliane Ganem, e Os meninos da Rua da Praia, de Sérgio Capparelli, expõem as diferenças entre ricos e pobres, enquanto Nó na garganta, de Mirna Pinsky, afirma que a cor da pele não é justificativa para valorizar ou diminuir as pessoas. A droga da obediência, de Pedro Bandeira, e A casa da madrinha, de Lygia Bojunga Nunes, por sua vez, mostram ser preciso lutar pela liberdade, quando os poderosos procuram sufocar o crescimento intelectual dos indivíduos.
Professores e alunos não ficarão indiferentes à proposta de livros como os enumerados antes. Aprenderão juntos que a literatura, dirigida ou não para as crianças, lhes proporciona grande variedade de diversão e sabedoria, aprofundando as relações humanas na escola e sua participação na sociedade.
Regina Zilberman é professora de Teoria da Literatura e Literatura Brasileira da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

A leitura de cada dia
Uma atividade permanente de leitura pode começar com uma semana de leitura de contos populares. Daí, se eles gostarem...
Por Maria José Nóbrega, consultora pedagógica de LeituraS
Ler histórias para crianças é uma prática importante para despertar nelas a curiosidade e a imaginação, como também para estimulá-las a refletir sobre temas delicados e complexos da experiência humana. Esta prática, se regular, faz com que as crianças construam um repertório de histórias, aprendam como funciona a linguagem que se usa para escrever, mas, principalmente, encontrem espaço para expressar seus medos e inquietações.
A seguir, avalie algumas sugestões para organizar com sua turma uma Atividade Permanente de Leitura. A proposta é que sejam ações que se repitam de modo regular (por exemplo, diariamente ou semanalmente), com a finalidade de permitir a convivência freqüente e intensa com diferentes gêneros de textos, proporcionando aos estudantes oportunidades de experimentar variados modos de leitura, desenvolvendo, assim, estratégias diversificadas de leitura.
1. Leitura e troca de impressões: Selecione quatro histórias: uma para ser lida na segunda-feira; outra, na terça-feira; outra, na quarta-feira e uma última para a quinta-feira. Proceda à leitura em voz alta da história e, após concluí-la, promova uma conversa para que os estudantes troquem impressões a respeito do conto ou relatem experiências pessoais relacionadas ao tema das histórias lidas, como a raiva, a inveja, o medo, a compaixão etc.
2. Entendendo um Sumário: Desafie-os a localizar em que página está a história que você vai ler naquele dia (providencie cópias do sumário do livro para realizar a atividade).
3. Ficha de Apreciação: A cada dia, após a leitura, peça aos estudantes para registrar o título da história na ficha de apreciação (conforme o modelo abaixo), assinalando a coluna correspondente à avaliação que fizeram da história: gostaram dela, não gostaram?
Na sexta-feira, proceda à escolha da história preferida da turma para ser lida outra vez. Chame esse dia de “Vale a pena ler de novo”. Ler várias vezes uma mesma história é importante para que os leitores iniciantes aprendam a diferença entre ler e contar uma história: ao ler, as palavras não mudam, são sempre as mesmas; ao contar, acabamos usando outras palavras e a história nunca sai exatamente igual.
FONTE: LeituraS é uma publicação da Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação, produzida pelo Departamento de Políticas de Educação Infantil e Ensino Fundamental/COGEAM e financiada pelo Projeto 914BRA1113 - UNESCO. Luiz Dantas Luiz Dantas Novembro de 2006
Muitos ensinamentos sobrevivem e são traduzidos de forma oral desde o tempo do descobrimento ou antes, já que muitos foram adaptados da Europa Medieval.
A menina dos brincos de ouro
Uma Mãe, que era muito má (severa e rude) para os filhos, deu de presente a sua filhinha um par de brincos de ouro. Quando a menina ia à fonte buscar água e tomar banho, costumava tirar os brincos e botá-los em cima de uma pedra. Um dia ela foi à fonte, tomou banho, encheu o pote e voltou para casa, esquecendo-se dos brincos. Chegando em casa, deu por falta deles e com medo da mãe brigar com ela e castigá-la correu à fonte para buscar os brincos. Chegando lá, encontrou um velho muito feio que a agarrou, botou-a nas costas e levou consigo.
O velho pegou a menina, meteu ela dentro de um surrão (um saco de couro), coseu o surrão e disse à menina que ia sair com ela de porta em porta para ganhar a vida e que, quando ele ordenasse, ela cantasse dentro do surrão senão ele bateria com o bordão (vara).
Em todo lugar que chegava, botava o surrão no chão e dizia:
Canta, canta meu surrão,
Senão te meto este bordão.
E o surrão cantava:
Neste surrão me meteram,
Neste surrão hei de morrer,
Por causa de uns brincos de ouro
Que na fonte eu deixei.
E o surrão cantava:
Neste surrão me meteram
Neste surrão hei de morrer,
Por causa de uns brincos de ouro
Que na fonte eu deixei
Todo mundo ficava admirado e dava dinheiro ao velho. Quando foi um dia, ele chegou à casa da mãe da menina que reconheceu logo a voz da filha. Então convidaram ele para comer e beber e, como já era tarde, insistiram muito com ele para dormir. De noite, já bêbado, ele ferrou num sono muito pesado.
As moças foram, abriram o surrão e tiraram a menina que já estava muito fraca, quase para morrer. Em lugar da menina, encheram o surrão de excrementos.
Trabalhos com contos populares “Os Contos da Nossa Cidade” e “Conto e Reconto”: dois projetos didáticos de leitura e escrita que podem conquistar sua turma para o mundo dos livros
Coloridos, carregados de sentidos cujas raízes remontam a tempos imemoriais, a linguagem dos contos tradicionais alimenta a imaginação dos leitores e abre espaços simbólicos para compreender a si mesmos e ao mundo. Não é a toa que diversos escritores se encantam com os contos (leia, nesta mesma publicação, entrevista com o escritor Ricardo Azevedo). A aproximação da escola com as manifestações culturais de seu entorno permite construir pontes entre o oral e o escrito; entre a língua em sua variedade oral e as chamadas variedades cultas.
A proposta a seguir é trabalhar os contos populares dentro da Pedagogia de Projetos. A característica essencial de um projeto de trabalho é ter um objetivo compartilhado por todos os envolvidos para se chegar a um produto final, em função do qual todos trabalham. Além disso, os projetos permitem dispor do tempo didático de forma flexível, pois sua duração corresponde ao tempo necessário para se alcançar um objetivo: pode durar dias ou alguns meses. Para sua execução é preciso planejar, prever, dividir responsabilidades, aprender conhecimentos específicos relativos ao tema em questão, usar recursos tecnológicos, aprender a trabalhar em grupo, controlar o tempo e, por fim, avaliar os resultados em função do plano inicial.
Projeto “Contos de Nossa Cidade”
Objetivos:
Ampliar o repertório de contos tradicionais.
Conhecer os contadores de histórias do município.
Identificar diferenças entre a modalidade oral e a escrita da língua.
Editar e revisar textos.
Desenvolvimento:
Proponha aos estudantes que investiguem, entre os moradores mais antigos da comunidade, se há algum contador de história ou alguém disposto a contar para a turma contos populares da região.
Agende uma data em que as pessoas convidadas possam comparecer à escola e contar suas histórias.
Se possível, grave em vídeo ou fita cassete para que, posteriormente, os estudantes possam usá-las para transcrever os contos selecionados e organizar uma antologia.
Finalizadas as apresentações, organize a turma em grupos, para editarem os contos recolhidos.
Peça que transcrevam o conto da maneira como foi falado e, depois, realizem apenas os ajustes necessários para converter o texto falado em uma peça escrita, buscando preservar o sabor da versão oral e o estilo do contador. Se esta etapa do trabalho puder ser desenvolvida na sala de informática, ficará muito mais fácil realizar as atividades de reescrita e de revisão dos textos.
Concluída a etapa anterior, é hora de escolher um título para a coletânea. Pode ser o título de um dos contos, como é comum acontecer em antologias de contos, crônicas e poemas. E se cada conto ganhasse uma ilustração? E qual deve ir para a capa?
Ajude-os a decidir a seqüência dos contos para elaborar o sumário. Seria interessante, ainda, incluir uma pequena biografia dos contadores que participaram do projeto.
Projeto “Conto e Reconto”
Objetivos:
Ampliar o repertório de contos tradicionais.
Apreciar o estilo de diferentes escritores, identificando e analisando as escolhas estilísticas que realizam ao recontar um conto tradicional.
Refletir a respeito das operações envolvidas no reconto de uma história: omissões, acréscimos, inversões, substituições.
Editar e revisar textos.
Recontar histórias possibilita aprender a respeito do funcionamento da linguagem escrita. Recontar não é mera reprodução, é recriação, pois ainda que o escritor tenha o compromisso de preservar o enredo, imprime à história seu estilo próprio. A proposta a seguir permite que os estudantes ampliem seu repertório de contos, bem como aprendam a ajustar a linguagem às suas intenções comunicativas, isto é, aos efeitos que esperam provocar em seus leitores.
Desenvolvimento:
Com a ajuda dos estudantes, faça um levantamento das antologias de contos populares disponíveis no acervo da biblioteca municipal, escolar ou da sala de leitura.
Promova a leitura de vários contos, diversificando os leitores: ora você lê para a turma, ora um dos estudantes lê para os colegas um texto preparado previamente.
Dedique algumas aulas para que os estudantes possam comparar diferentes versões de um mesmo conto, como sugerimos acima, e, assim, possam identificar as marcas do estilo de cada autor.
Organize a turma em duplas e peça que selecionem um dos contos para produzir uma nova versão para ele. A partir dos exemplos comentados, proponha que, antes de começar a escrever, pensem como querem recontá-lo: substituindo palavras difíceis por outras mais simples para facilitar a compreensão, resumindo alguns trechos para evitar digressões, transformando passagens de seqüência narrativa em diálogo para dar maior leveza etc.
Após a produção, reserve algumas aulas para reformular o texto. Afinal, um texto bem escrito é normalmente fruto de sucessivas versões. Para facilitar essa fase do trabalho, você pode promover o intercâmbio entre as duplas: uma dupla compara as duas versões do conto escolhido pela outra, elaborando uma pauta com sugestões para a revisão. Insista que a proposta não é deixar o texto ficar igual ao modelo, mas potencializar as intenções de cada dupla.
Concluídas as atividades de edição e de revisão, elabore o sumário e, lembre-os de incluir a referência bibliográfica dos contos que foram recontados. O formato que a publicação vai assumir dependerá das condições da escola e da comunidade: pode ser uma versão digital para leitura na página da escola na internet, uma brochura com os textos digitados e formatados com cuidado ou, até mesmo, uma edição manuscrita com caligrafia caprichada.
Os contos tradicionais no Brasil
O estudioso do folclore brasileiro Luís da Câmara Cascudo (1898-1986)1, no prefácio que produz para Cantos Populares do Brasil2, de Sílvio Romero (1851-1914) afirma que esta obra e Contos Populares do Brasil constituem “o primeiro documentário da literatura oral brasileira”. A trilha aberta pelo crítico, folclorista e historiador da literatura brasileira foi percorrida, depois, pelo próprio Cascudo e por muitos outros escritores e pesquisadores.
Outro pioneiro é, sem dúvida, Figueiredo Pimentel (1869- 1914) com Contos da Carochinha. Preocupado em popularizar o acesso ao livro, Pimentel reuniu nesta obra contos populares traduzidos ou recolhidos diretamente da tradição local. Inaugurava-se com ele uma consistente linhagem de escritores de literatura infantil que mantém uma estreita relação com a literatura de tradição oral que constitui o substrato básico para a literatura produzida para crianças. Entre eles estão Monteiro Lobato, Henriqueta Lisboa, José Lins do Rego, Ana Maria Machado, Ricardo Azevedo e tantos outros escritores que não resistiram à tentação de “meter a sua colher”, ou melhor, a sua caneta, neste maravilhoso repertório, emprestando a ele seu talento pessoal. Encontre nas prateleiras estas e outras preciosidades e mergulhe com sua turma em um mar de histórias!
Algumas obras de tradição popular nos acervos do PNBE (Programa Nacional Biblioteca da Escola)
1 Luís da Câmara Cascudo no PNDE:
Faz de conto. Luís da Câmara Cascudo e outros, Global, PNBE 2002.
Contos tradicionais do Brasil. Luís da Câmara Cascudo, Global, PNBE 2003.
A princesa de Bambuluá. Luís da Câmara Cascudo, Global, PNBE 2005 (Acervo 7)
O marido da mãe d’água e A princesa e o gigante. Luís da Câmara Cascudo, Editora Gaia, PNBE 2005 (Acervo 15).
2 As obras de Sílvio Romero – Cantos Populares do Brasil e Contos Populares do Brasil – são publicadas pela Editora Itatiaia, Editora da Universidade de São Paulo.
O Conto de Fadas
O Imaginário Infantil e a Educação
Nelly Novaes Coelho¹
Desvendar o mistério e o encantamento que envolve os contos de fada, ao longo da história da humanidade, é a tarefa preferida da professora Nelly Novaes Coelho que nos pergunta: por que tais histórias tão antigas continuam a interessar leitores adultos e crianças? Neste artigo, direcionado ao professor de educação infantil, ela busca respostas para essa questão nos apresentando uma abordagem extremamente enriquecedora.
Sem dúvida, tão antigo como a humanidade é o ato de contar histórias. E também a sedução que as narrativas maravilhosas exercem sobre os homens, da infância à velhice. É curioso notar que, hoje, em pleno mundo do fantástico progresso tecnológico, da velocidade dos multimeios de comunicação de massa e do império da imagem, os contos de fadas estão de volta. Até os “distraídos” podem perceber que o mercado editorial vem sendo invadido pela grande voga da magia do maravilhoso, pela moda dos chamados “clássicos” da literatura universal ou pelas narrativas maravilhosas em geral, como o conto de fadas. Ao que parece, a realidade concreta que nos rodeia já não basta.
Mas se pensarmos na distância que existe entre o nosso tempo ultramoderno e os tempos primitivos ou arcaicos (nos quais se perdem as origens dessas narrativas fabulosas, surgidas há séculos em várias regiões da Europa), torna-se inevitável a pergunta: por que tais histórias tão antigas continuam a interessar os leitores (crianças ou adultos)? Por que o destino da Gata Borralheira ou Cinderela, ou o da Branca de Neve, da Bela Adormecida, da Bela e a Fera e outras e outras continuam a interessar? Que importância pode ter para os leitores de hoje as tristezas do Patinho Feio e sua lenta transformação em Cisne? Ou a desobediência da Chapeuzinho Vermelho, que vai levar bolo para a avó e escolhe o perigoso caminho da floresta, em lugar da estrada reta e clara, e assim atrai o Lobo, que acaba devorando ela e a avó?
Para podermos responder a essas interrogações, é preciso lembrar que tais narrativas se fundamentam em “lições de vida” dadas pela sabedoria ancestral – a sabedoria dos povos, que, desde a origem dos tempos, vêm constituindo a humanidade em contínua evolução.
Na verdade, por mais que os homens transformem o mundo em que vivem com sua inteligência e trabalho, sua natureza humana não muda. Nela se misturam as “paixões da alma” (amor, ódio, amizades, medo, vontade de poder, ideais, desejos, inveja, ciúmes, solidariedade, fraternidade, etc.) e as “necessidades básicas” do ser humano (ar para respirar, alimento para matar a fome e proteção para o corpo). Tanto as “paixões” quanto as “necessidades básicas” são a matéria-prima dos contos de fadas e de todos os livros que venceram o tempo e através de milênios ou séculos continuam a interessar os leitores ou ouvintes.
E é graças a essa “matéria-prima” humana, somada ao seu “veículo de expressão” – a linguagem narrativa – que os contos de fadas e os “clássicos” estão novamente entrando nas escolas. Já é ponto pacífico o fato de que cabe à educação moderna (ou pós-moderna?) a tarefa de oferecer caminhos para a formação da consciência de mundo da criança (ou do educando em geral), e não apenas servir como instrumento de informações. Em um mundo como o nosso, dinamizado pelas multilinguagens visuais, sonoras e velozes, a leitura da palavra, isto é, do texto (principalmente literário, poético), ,faz-se cada vez mais necessária para que as novas gerações não se imobilizem como “gerações sem palavras”. Gerações sem consciência de si mesmas, sem consciência histórica e, conseqüentemente, sem consciência crítica. A ausência de autoconsciência redunda em indivíduos sem autonomia interior, meros joguetes das palavras-de-ordem da sociedade de consumo e lucro, que já se instalou no mundo e o transformou na “aldeia global” de que fala McLuhan.
Sociedade bela/horrível (ainda em processo de formação) que ao mesmo tempo em que gera o progresso e melhora (às vezes desequilibra) a vida no planeta também provoca a alienação humana porque atrai o indivíduo para fora de si mesmo, alimenta-o apenas de exterioridades; impede a formação da sua consciência crítica; impede que cada eu adquira a consciência de seu lugar no mundo e de sua relação essencial com o outro. Uma das verdades do nosso tempo é que sem essa conscientização do eu em relação ao outro e sem o domínio da palavra que nomeia e expressa as realidades não há plena realização existencial.
Um dos fecundos caminhos para essa autoconscientização é a leitura: é o corpo a corpo do eu-leitor (ou ouvinte) com as experiências de vida do outro, que a literatura lhe oferece. E como esse “corpo a corpo, essa conscientização do eu em relação ao outro precisa começar desde cedo (quando a criança passa a perceber o mundo à sua volta), um dos meios que os adultos podem usar para orientá-las é o conto de fadas. De maneira inconsciente e divertida, a criança entra em contato com a sabedoria humana que vem da origem dos tempos, foi guardada pela memória dos povos e transmitida pelo “contar histórias”. Desse fenômeno tiramos uma lição: o “contar histórias”, mais do que entretenimento prazeroso, é uma experiência vital, é um exercício de viver. Como disse Cecília Meireles:
Os livros que têm resistido ao tempo são os que possuem uma verdade capaz de satisfazer a inquietação humana, por mais que os séculos passem.
Estão nesse caso os contos de fadas, os clássicos universais. Todos eles, por meio de mil variantes das situações narradas, tramam-se em torno de algumas poucas invariantes, que correspondem às necessidades básicas do ser humano. Tal como existe um código genético fisiológico (DNA), pelo qual a natureza “programa” cada ser humano, também deve existir um “código espiritual” que, desde a origem dos tempos, “programa” a alma da humanidade. Nos clássicos infantis (contos de fadas, contos maravilhosos, fábulas...) é essa “alma da humanidade” que nos fala. As grandezas e as misérias do ser humano estão ali transformadas em narrativas mágicas, inverossímeis do ponto de vista da lógica ou da realidade comum, mas que seduzem e convencem porque, de maneira inconsciente ou subliminar, tocam o leitor em suas aspirações vitais mais profundas e, as mais das vezes, inconscientes.
Assim, por exemplo, em Branca de Neve, na trama criada entre a Rainha madrasta, a Branca de Neve e os Sete Anões, entram em confronto a inveja ou o ciúme que a beleza e a bondade podem despertar; valorizam-se a paciência diante de um destino adverso e a busca de outros caminhos para fugir dele; exalta-se a solidariedade a ser dada a quem necessita; recompensa-se a virtude e castiga-se o mal; exalta-se o poder regenerador dos maus, etc.
São experiências humanas que o imaginário do leitor vivencia de maneira inconsciente, e, com elas, seu mundo interior vai-se enriquecendo. Nas “transformações” que são comuns nos contos de fadas (a do Patinho Feio em Cisne; do Sapo ou da Fera em Príncipe, etc.) estão patentes as transformações pelas quais todo ser humano precisa passar (da infância à maturidade) para se realizar em plenitude quando persegue um ideal de vida.
Aliás, há um perfeito paralelismo entre os contos de fadas e a vida humana, quando a entendemos como um percurso, uma caminhada, uma viagem em busca da auto-realização. Nesse “percurso” surgem obstáculos (inimigos, maldades, bruxas, madrastas...), mas também auxílios (amigos, fadas, anões...), e o final é sempre feliz: a realização do ideal.
Como se vê, em sua essência, a estrutura dos contos de fadas corresponde às coordenadas da vida humana. Todos nós, para nos realizar, precisamos ter um projeto de vida (ou vários projetos sucessivos); entregamo-nos à “caminhada” para realizá-lo, encontramos os inevitáveis “obstáculos” que precisam ser superados por nossa paciência, esforço ou obstinação (ou por “auxiliares” das mais diversas naturezas), e. por fim, a realização: o “final feliz”. Na verdade, o ser humano veio para “dar certo”. Quando não dá é porque algo não vai bem no mundo à sua volta.
Nesta nossa época de contrastes e caos, é fundamental que os adultos que lidam com as crianças (principalmente os professores) se dêem conta do valor ético-existencial dos contos de fadas para o “povoamento” do imaginário infantil. É no “imaginário” que, afinal, nossa vida se resolve (muito embora não nos demos conta disso).
Ao ouvirem (ou lerem) tais contos, as crianças, mesmo sem o saber, estão formando as leituras de mundo que as ajudarão nos caminhos a serem trilhados na vida. Em cada uma dessas histórias maravilhosas, há uma verdade vital. Neste nosso mundo-cão do “vale tudo” e de ausência de parâmetros para o comportamento humano, esses exemplos de vida, em que a virtude é exaltada, o mal é castigado e os altos ideais saem vitoriosos, sem dúvida podem ser ótimos “guias iluminadores” para os pequenos aprendizes de vida e de leitura.
Enfim, o que nos explica o continuado sucesso dos contos de fadas e dos clássicos infantis em geral é o fato de que sua matéria-prima é extraída de verdades humanas e, portanto, não envelhece. Ou, por outra, é fundamentada em necessidades humanas básicas: o fundo impulso de auto-realização do indivíduo; o desejo do eu de ser aceito pelo outro (daí a necessidade visceral de afeto, de amor); a vontade de poder (que leva o forte a explorar o fraco); a luta pela preservação física (contra a fome, o esforço desumano, a ameaça de morte, a defesa contra a violência, etc.). Necessidades que, uma vez frustradas, geram as tragédias (ou comédias, dependendo da ótica pela qual sejam olhadas), os dramas ou peripécias que, transformados em palavras, vêm tecendo a grande literatura (para adultos ou crianças) que, desde os tempos ancestrais, vem seduzindo a humanidade. E para além do prazer e das emoções do leitor, ao participar de tais aventuras, lhe dá grandes lições de sabedoria e de vida. É preciso descobrir que os contos de fadas têm na base a vida real, e que a literatura infantil não é “infantil” ou pueril, como o senso comum (distraído!) a considera. E acima de tudo é um excelente meio de educação a ser explorado.
¹Doutora em Letras, livre docente e professora titular da F.F.L.C. H. da Universidade de São Paulo atuando no Curso de Pós Graduação. Criadora da disciplina de Literatura Infantil na Faculdade de Letras. Entre suas publicações destacam-se: dicionário crítico de Literatura Infantil e Juvenil Brasileira (Edusp), Literatura Infantil (Moderna) O Conto de fadas (D.C.L.), Literatura: arte, conhecimento e vida (Petrópolis), Dicionário Crítico de Escrituras Brasileiras (Escrituras).
Fonte: Revista Criança, janeiro de 2005: MEC
O Papel dos Contos de Fadas na Construção do Imaginário Infantil
Isabel Maria de Carvalho Vieira¹
A sensibilidade e o conhecimento profundo do psiquismo humano na sua relação com os contos de fadas nos são revelados pela professora Isabel Maria de Carvalho Vieira nesta abordagem psicanalítica da questão. O artigo em tela tem o mérito de ampliar os conhecimentos dos professores, trazendo à tona questões que se encontram subjacentes a esse tipo de literatura.
Desde os primórdios da humanidade, contar histórias é uma atividade privilegiada na transmissão de conhecimentos e valores humanos. Essa atividade tão simples, mas tão fundamental, pode se tornar uma rotina banal ou representar um momento de excepcional importância na educação das crianças.
O estudo e a discussão em torno da adequação e da validade da narrativa de contos de fadas para crianças, especialmente para crianças pequenas, vem perdurando por gerações e gerações de professores, psicólogos, psicanalistas como também entre orientadores educacionais e pedagógicos. Os artistas que trabalham em espetáculos infantis também discutem a questão, e os pais sentem-se atordoados diante da diversidade de opiniões ouvidas e da amplitude das divergências apresentadas.
Há quem seja contra e quem seja a favor dos contos de fadas. Há quem considere encantadores os mitos e as lendas, como há quem os rejeite como mórbidos e perturbadores, mas atualmente não há mais quem discuta sua importância, sua atuação decisiva na formação e no desenvolvimento do psiquismo humano.
Desde os primórdios da humanidade, contar histórias é uma atividade privilegiada na transmissão de conhecimentos e valores humanos. Essa atividade tão simples, mas tão fundamental, pode se tornar uma rotina banal ou representar um momento de excepcional importância na educação das crianças.
O estudo e a discussão em torno da adequação e da validade da narrativa de contos de fadas para crianças, especialmente para crianças pequenas, vem perdurando por gerações e gerações de professores, psicólogos, psicanalistas como também entre orientadores educacionais e pedagógicos. Os artistas que trabalham em espetáculos infantis também discutem a questão, e os pais sentem-se atordoados diante da diversidade de opiniões ouvidas e da amplitude das divergências apresentadas.
Há quem seja contra e quem seja a favor dos contos de fadas. Há quem considere encantadores os mitos e as lendas, como há quem os rejeite como mórbidos e perturbadores, mas atualmente não há mais quem discuta sua importância, sua atuação decisiva na formação e no desenvolvimento do psiquismo humano.
Aqueles que combatem os contos de fadas supõem que a violência das situações que neles se apresentam habitualmente, a personificação do bem e do mal em determinadas personagens, as soluções mágicas para os problemas mais complexos e toda a tensão emocional provocada pela narrativa desses contos vão proporcionar às crianças uma visão muito negativa da realidade, um contato desnecessário com o “lado negro” do homem, talvez até uma mobilização para as pequenas e as grandes maldades que podem ser feitas com outras pessoas. Muitos acreditam que para as crianças mais sensíveis a narrativa dos contos de fadas pode provocar sofrimentos e angústias, que poderão repercutir negativamente na sua vida futura, gerando muitos medos e inseguranças.
Estamos do lado daqueles que são a favor dos contos de fadas, que acreditam no valor e na verdade que se revelam nessas histórias arcaicas, na força e na coragem que podem surgir, exatamente, pelo impacto do encontro direto com a fraqueza, o desamparo, o medo, a necessidade de luta para alcançarmos nossos objetivos.
Os acontecimentos objetivos da vida da humanidade são a nossa história. Os acontecimentos subjetivos, as vivências interiores criaram as estórias. A história fala-nos dos acontecimentos conhecidos da realidade externa, do desenrolar dos fatos que foram sendo registrados nas comunidades e que explicam, em parte, como se efetivaram as realizações culturais dos grupos humanos, como se estabeleceram os grupos étnicos, como se definiram as nações. As estórias falam-nos da realidade interior na construção das nossas culturas, de como se constituíram as estruturas psicológicas das pessoas e dos grupos humanos.
As histórias de ficção, e muito especialmente as narrativas que vêm do folclore, os mitos, as lendas, os contos de fadas, se apresentam como a maneira mais significativa que a humanidade encontrou para expressar aquelas experiências que não encontram condições de se explicar no esquema lógico-formal da narrativa intencionalmente objetiva. A ficção objetiva os fatos e as verdades que não podem ser expressos pela razão, que não são identificados pela lógica. E é por isso que as histórias são tão temidas, e é também por isso que são tão importantes.
Os contos de fadas são narrativas simbólicas extremamente simples, primitivas, capazes de transmitir experiências subjetivas complexas e vivências emocionais delicadas às pessoas mais ingênuas e às crianças. As lendas e as histórias de fadas são incluídas hoje no acervo básico da literatura infantil porque as crianças se apossaram delas, enquanto o público mais sofisticado as considerava uma literatura de menor significado. Mas não há quem desconheça o quanto os grandes artistas, inclusive escritores de todos os tempos, buscaram e buscam inspiração constantemente nas manifestações mais primitivas da sua cultura, no folclore.
Há alguns aspectos bem interessantes a considerar quando pretendemos nos deter na reflexão e no estudo dos contos de fadas. Em primeiro lugar, o fato de que eles falam sempre de relacionamentos humanos primitivos e por isso exprimem sentimentos muito arcaicos do psiquismo humano. Mas porque arcaicos não deixam de ser atuais, talvez até extremamente atraentes e instigadores porque mostram o que se evita manifestar nas nossas sociedades contemporâneas: a raiva, a inveja, a mentira, também o amor, a fidelidade, a generosidade, com suas enormes conseqüências no viver humano. Nesse sentido, esses contos, como as lendas e os mitos, estão embebidos de princípios éticos universais. Outro aspecto extremamente importante a considerar é que os contos de fadas, sob múltiplas variações, apresentam sempre uma mesma estrutura e temática: falam da busca da totalidade psíquica, da plenitude do ser.
Todo conto de fadas gira em torno de um herói ou heroína que apresenta sua origem: pai, mãe, terra, cultura. O herói ou heroína vivem sempre dificuldades grandes e chegam a um momento de impasse em que alguma coisa extraordinária precisa acontecer para que haja uma solução satisfatória. Entram então em ação múltiplos poderes naturais e sobrenaturais ou mágicos, tanto do lado do bem como
do lado do mal: inimigos terríveis, companheiros fiéis, personagens imbuídos de insegurança, de esperteza, de coragem, figuras transcendentes como fadas, anjos, demônios e dragões. A luta é sempre extremamente difícil, mas, ao final, faz-se a justiça, encontra-se a paz, a harmonia, vence o bom e o bem.
Todo conto de fadas constitui-se como uma “saga de herói”. No desenvolvimento da história, vai-se delineando a luta do herói que não se apresenta, inicialmente, como uma proposta em que todos os elementos da situação lhe estão naturalmente apresentados; ao contrário, no decurso da sua própria ação ele tem de descobrir os elementos que lhe faltam para compreender o processo em que está inserido e, assim, poder construir situações novas que possam vir a lhe favorecer na luta pelos seus objetivos. Nessa luta vão sempre aparecer dificuldades extraordinárias que exigirão muita disposição e astúcia para ser contornadas e vencidas – esta é a saga do herói, de cada um de nós, que, ao final, deveria ser culminada pela possibilidade de vencer todas as dificuldades. Nesse sentido, cada uma dessas estórias é um estímulo encorajador na luta da vida, em que se valorizam os princípios éticos na relação com o outro: o Mal é denunciado, e o personagem mau é castigado; o Bem é valorizado, e o personagem bom é premiado. A proposta e a realização básica são sempre de plena vitória final do bom e do Bem.
Carl Gustav Jung, o grande psiquiatra suíço que fundou a Escola de Psicologia Analítica, diz que “mitos e contos de fadas dão expressão a processos inconscientes, e sua narração provoca a revitalização desses processos, restabelecendo a conexão entre o consciente e o inconsciente”. Como Freud, ele entende que o sonho é uma forma de representação simbólica dos processos psíquicos individuais, e entende o mito, a lenda e o conto de fadas como representações simbólicas de processos psíquicos coletivos. A discussão sobre a pertinência da compreensão dos contos de fadas como expressão do Inconsciente Coletivo, no dizer de Jung, ou da Herança Arcaica, termo usado por Freud, daria um outro artigo, depoimento ou curso em que precisaríamos definir mais precisamente esses conceitos e referendá-los a estudos antropológicos, sociológicos, psicológicos.
O que nos importa aqui, neste depoimento, é referendar a importância dos contos de fadas no desenvolvimento intelectual e emocional das crianças. Todas as pessoas que trabalham com educação e saúde engendram esforços para proporcionar condições que favoreçam a integração psicológica. Se os contos de fada se apresentam com possibilidades de favorecer essa integração, não há como desconsiderá-los. Se a criança pode aprender, por meio deles, a identificar e a reconhecer, nos outros e em si mesma, pensamentos e sentimentos que ajudam ou atrapalham sua relação consigo mesmo e com os outros, se aprende a conviver com naturalidade com fortes elementos do inconsciente da humanidade e do seu próprio inconsciente, estaremos lhe oferecendo melhores condições para crescer e amadurecer por meio da narrativa e da reflexão dos contos de fadas. Essa proposta poderia e deveria ser um trabalho sistematizado e permanente, e as pessoas incumbidas de realizá-lo (professores, orientadores, psicólogos e artistas) precisariam ter, elas mesmas, um desenvolvimento pessoal e uma intimidade com seus próprios inconsciente, para poderem favorecer (ou, pelo menos, não atrapalhar) o encontro das crianças com seu mundo interno.
¹Psicanalista, Psicóloga, Professora de Literatura Infantil, Técnica de Educação.
Livros e leitura entre professores e alunos
Por Regina Zilberman*
As pessoas aprendem a ler antes de serem alfabetizadas. Desde pequenos, somos conduzidos a entender um mundo que se transmite por meio de letras e imagens. Mesmo as crianças que residem longe dos grandes centros urbanos ou são muito pobres, não dispondo, pois, de livros e impressos, conhecem o significado de certas siglas e sabem identificar as figuras e os nomes de personagens, divulgados por meio da propaganda audiovisual, da televisão, das histórias ouvidas e reproduzidas.
O universo da leitura envolve o ser humano por todos os lados, estimulando a aprendizagem, tarefa delegada à escola por ocasião da alfabetização, nos primeiros anos da educação fundamental.
Nem sempre os resultados são positivos, e muitas crianças acabam por ficar excluídas do mundo das letras, aquele mesmo que as rodeia e que gostariam de decifrar com habilidade e fluência.
A literatura infantil pode ajudar o professor a alcançar um resultado melhor, colaborando para o sucesso de seu trabalho. Os livros para crianças despertam o gosto pela leitura, não têm propósito pedagógico e ainda divertem. Os alunos certamente apreciarão acompanhar, nas obras, as aventuras de personagens parecidas com eles, ação que os levará a buscar mais livros, solidificando sua competência de leitura.
A primeira medida a ser tomada pelo professor é, portanto, colocar os livros ao alcance dos alunos em sala de aula. A proximidade entre o leitor e o texto, na forma de livro, motiva o interesse e induz a leitura, mesmo no caso de pessoas que ainda não foram alfabetizadas. Por isso, publicações destinadas a elas apresentam muitas ilustrações, pois a imagem captura a atenção do leitor e, por estar acoplada à escrita, suscita o interesse por seu entendimento.
Se esse princípio é válido para todos os leitores, é ainda mais decisivo no caso das crianças, cuja curiosidade é grande, estando sua atenção fortemente voltada para o visual. A atração do livro impresso, com suas figuras e texto, incita o leitor, e esse entrega-se à sedução da obra.
Várias publicações de autores brasileiros, destinadas ao leitor aprendiz, podem colaborar com o professor, como é caso da Coleção Gato e Rato, de Mary e Eliardo França, dirigida a crianças em período da alfabetização. Num dos volumes, A bota do bode, conta-se o que sucedeu ao bode, que encontrou uma bota e inicialmente não sabe o que fazer, até achar uma saída para a situação inusitada. O vocabulário escolhido é tão compreensível quanto legível, formado, na maior parte, por dissílabos e paroxítonas, em que cada sílaba contém apenas uma consoante e uma vogal. Portanto, o relato pode ser entendido por qualquer leitor, mesmo o que começa a decifrar a escrita. Requerendo um mínimo de desenvoltura, A bota do bode lida com uma história em que um problema aparentemente sem solução instiga a continuidade da leitura e chega a um final engraçado.
As ilustrações reforçam o interesse do leitor, pois o dilema da personagem, diante do objeto imprevisto, expressa-se pela imagem, reforçando as possibilidades de decodificação da escrita.
A bota do bode, a exemplo das outras obras que compõem a Coleção Gato e Rato, é adequada a um leitor que se inicia nos livros. Podem ser as crianças que freqüentam as primeiras séries do ensino básico, porque é nessa etapa que se prevê a alfabetização dos alunos. Porém, há estudantes que, com mais idade e, portanto, mais acostumados à circulação de textos, ainda não dominam a leitura com a familiaridade desejada. Também nesse caso é apropriada a indicação de obras como as de Mary e Eliardo França, porque as narrativas são divertidas, conduzindo a atenção do leitor até o final.
O leitor iniciante não tem idade; e cada fase de sua vida é um bom momento para levá-lo a gostar de livros de ficção, pois as histórias estimulam seu imaginário, fortalecem sua identidade, ajudam-no a pensar melhor e a resolver problemas. Com o passar do tempo e o aumento da bagagem de livros e de experiência, os leitores ficam mais exigentes, solicitando mais e melhores livros.
Para tomar a segunda medida, o professor precisa ficar atento à destreza e interesse de leitura por parte dos alunos. Ele será compreensivo com o estudante que apresenta dificuldades para acompanhar o texto, apoiando-o com a indicação de produtos ao mesmo tempo bons e fáceis de entender. Se as coisas fossem mães, de Sylvia Orthof, é uma dessas obras que estimula a imaginação da criança, e também sua inteligência, sem apresentar dificuldades de interpretação. A idéia original é muito criativa, partindo da noção de que, se os seres animados têm mães, é de se cogitar que o mesmo ocorra com os inanimados ou mágicos, como sereias, bruxas e fadas. Esse é o jogo proposto pelo livro, que não se encerra quando chega às últimas linhas, pois o leitor pode dar continuidade à proposta de conjeturar o que ocorreria “se as coisas fossem mães”.
Com estudantes que requerem textos mais longos e narrativas mais complexas, o professor pode escolher entre gêneros diversos.
Os contos de fadas atraem o interesse de muitos, já introduzidos, por exemplo, a Branca de Neve, Chapeuzinho Vermelho e Cinderela, quando pais, tios, irmãos, avós ou outros lhes narram as aventuras dessas personagens. Histórias em quadrinhos, filmes, desenhos na televisão, entre outras formas de difusão de relatos folclóricos, reforçam a popularidade daqueles heróis. Assim, a sala de aula pode ser um bom lugar para retomar esse conhecimento e, sobretudo, ampliá-lo, pois há livros que, recorrendo ao conto de fadas, propõem alternativas inovadoras para figuras tradicionais.
Em A fada que tinha idéias, Fernanda Lopes de Almeida cria a personagem Clara Luz, que, insatisfeita com o papel convencional usualmente atribuído a seres como ela, permanentemente inventa novidades. No começo da história, a pequena fada é advertida pelos adultos, que julgam inadequado seu comportamento; na seqüência, porém, ela demonstra que suas atitudes são válidas para si mesma e para todo o grupo, vindo a representar a vontade de as crianças serem respeitadas pelos mais velhos.
Nos contos tradicionais, a fada é a personagem boa, enquanto a bruxa é má, prejudicando os demais. A bruxinha atrapalhada desmente esse padrão, pois a protagonista das histórias curtas de Eva Furnari suscita a simpatia do leitor, que experimenta com ela as dificuldades de afirmação no mundo adulto. Por sua vez, em O fantástico mistério de Feiurinha, Pedro Bandeira contraria outro estereótipo do conto de fadas clássico: o da jovem que, por ser bela, seduz o príncipe encantado.
No livro, a personagem principal é a menina feia, de quem depende o mundo das fadas para não desaparecer, levando com ele o imaginário representado pela infância.
Nos livros de Fernanda Lopes de Almeida, Eva Furnari e Pedro Bandeira, o leitor acostumado ao conto de fadas, que conheceu por ouvir, ler ou ver, passa por um questionamento que o torna mais crítico e exigente. O professor, paciente e compreensivo com o leitor vagaroso, estimula agora o estudante que pede mais livros, ajudando-o a não se conformar com o convencional e o consagrado.
Quando o aluno chega a esse ponto, o professor converte-se em seu companheiro de leituras, dispondo de um cardápio de obras em que se mesclam a aventura, o amadurecimento interior e a observação do contorno social. Narrativas de aventuras aparecem nas obras de Monteiro Lobato, por exemplo, ou nos romances policiais de João Carlos Marinho, de que O gênio do crime é um exemplo. Lygia Bojunga Nunes, em A bolsa amarela, oportuniza ao adolescente adentrar-se na sua intimidade, onde se alojam desejos insatisfeitos e aspirações, que ele terá de expressar, para se satisfazer consigo mesmo. Bisa Bia, Bisa Bel, de Ana Maria Machado, colabora para a criança entender o passado de sua família e consolidar sua identidade pessoal, quando não étnica e social, como revelam Do outro lado tem segredos e Raul da ferrugem azul, da mesma autora.
O estudante pertence também a uma época e a uma sociedade, que, traduzidas pelas obras de ficção, podem levá-lo a tomar uma posição perante problemas como a desigualdade econômica, o racismo ou a opressão. Coisas de menino, de Eliane Ganem, e Os meninos da Rua da Praia, de Sérgio Capparelli, expõem as diferenças entre ricos e pobres, enquanto Nó na garganta, de Mirna Pinsky, afirma que a cor da pele não é justificativa para valorizar ou diminuir as pessoas. A droga da obediência, de Pedro Bandeira, e A casa da madrinha, de Lygia Bojunga Nunes, por sua vez, mostram ser preciso lutar pela liberdade, quando os poderosos procuram sufocar o crescimento intelectual dos indivíduos.
Professores e alunos não ficarão indiferentes à proposta de livros como os enumerados antes. Aprenderão juntos que a literatura, dirigida ou não para as crianças, lhes proporciona grande variedade de diversão e sabedoria, aprofundando as relações humanas na escola e sua participação na sociedade.
Regina Zilberman é professora de Teoria da Literatura e Literatura Brasileira da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
A leitura de cada dia
Uma atividade permanente de leitura pode começar com uma semana de leitura de contos populares. Daí, se eles gostarem...
Por Maria José Nóbrega, consultora pedagógica de LeituraS
Ler histórias para crianças é uma prática importante para despertar nelas a curiosidade e a imaginação, como também para estimulá-las a refletir sobre temas delicados e complexos da experiência humana. Esta prática, se regular, faz com que as crianças construam um repertório de histórias, aprendam como funciona a linguagem que se usa para escrever, mas, principalmente, encontrem espaço para expressar seus medos e inquietações.
A seguir, avalie algumas sugestões para organizar com sua turma uma Atividade Permanente de Leitura. A proposta é que sejam ações que se repitam de modo regular (por exemplo, diariamente ou semanalmente), com a finalidade de permitir a convivência freqüente e intensa com diferentes gêneros de textos, proporcionando aos estudantes oportunidades de experimentar variados modos de leitura, desenvolvendo, assim, estratégias diversificadas de leitura.
1. Leitura e troca de impressões: Selecione quatro histórias: uma para ser lida na segunda-feira; outra, na terça-feira; outra, na quarta-feira e uma última para a quinta-feira. Proceda à leitura em voz alta da história e, após concluí-la, promova uma conversa para que os estudantes troquem impressões a respeito do conto ou relatem experiências pessoais relacionadas ao tema das histórias lidas, como a raiva, a inveja, o medo, a compaixão etc.
2. Entendendo um Sumário: Desafie-os a localizar em que página está a história que você vai ler naquele dia (providencie cópias do sumário do livro para realizar a atividade).
3. Ficha de Apreciação: A cada dia, após a leitura, peça aos estudantes para registrar o título da história na ficha de apreciação (conforme o modelo abaixo), assinalando a coluna correspondente à avaliação que fizeram da história: gostaram dela, não gostaram?
Na sexta-feira, proceda à escolha da história preferida da turma para ser lida outra vez. Chame esse dia de “Vale a pena ler de novo”. Ler várias vezes uma mesma história é importante para que os leitores iniciantes aprendam a diferença entre ler e contar uma história: ao ler, as palavras não mudam, são sempre as mesmas; ao contar, acabamos usando outras palavras e a história nunca sai exatamente igual.
FONTE: LeituraS é uma publicação da Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação, produzida pelo Departamento de Políticas de Educação Infantil e Ensino Fundamental/COGEAM e financiada pelo Projeto 914BRA1113 - UNESCO. Luiz Dantas Luiz Dantas Novembro de 2006
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