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PRODUÇÃO DE TEXTOS

A palavra texto provém do latim textum, que significa “tecido, entrelaçamento”. Há, portanto uma razão etimológica para nunca esquecermos que o texto resulta da ação de tecer, de entrelaçar unidades e partes a fim de formar um todo inter-relacionado. Daí podermos falar em textura ou tessitura de um texto: é a rede de relações que garantem sua coerência e sua coesão.

  • a coerência resulta das relações pertinentes entre os fatos, conceitos e dados mencionados no texto. É ela a responsável pelo sentido do texto e envolve a adoção de uma lógica, que deve ser acatada e seguida. A coerência depende também de aspectos semânticos e do conhecimento que os interlocutores partilham sobre a realidade abordada pólo texto, já que o sentido não resulta apenas dos procedimentos do produtor do texto, mas também do domínio que o recebedor do texto tem dos elementos necessários à sua interpretação.
  • a coesão é lingüística e resulta da maneira como o texto formalmente se organiza para expressar seu conteúdo, ou seja, são mecanismos gramaticais e lexicais que a constituem (pronomes, artigos, elipses, concordância verbal e nominal, correlação entre tempos verbais, conjunções, entre outros elementos). Podemos dizer que a coerência se refere aos nexos entre os conceitos, fatos e dados mencionados no texto e que a coesão é a expressão lingüística desses nexos.

A coerência e a coesão de um texto podem ser avaliadas a partir da observação de quatro princípios de organização: a retomada, a progressão, a relação e a não-contradição. Para observá-los, devemos ter sempre em mente que os textos falados e escritos se desenvolvem de maneira linear, ou seja, as partes que os formam surgem umas após as outras, cada uma delas de maneira linear, ou seja, as partes que os formam surgem umas após as outras, cada uma delas relacionando-se com o que já foi dito ou escrito e com o que ainda se vai dizer ou escrever.

Retomada

Ao longo de um texto coerente, ocorrem retomadas (às vezes, verdadeiras repetições) de elementos (palavras, frases e seqüências que exprimem fatos ou conceitos).Essa retomada é normalmente feita por pronomes (e pelas terminações verbais que os indicam) ou por palavras ou expressões equivalentes ou sinônimas. A mesma palavra ou expressão pode ser repetida, o que ocorre com mais freqüência nos textos falados – nos textos escritos, a repetição pura e simples de uma palavra ou expressão é normalmente considerada um problema e deve ser feita somente para a obtenção de efeitos,de sentido.

As retomadas conferem ao texto um desenvolvimento homogêneo, que a cada passo recupera aquilo que já foi dito ou escrito para remeter ao que vai ser dito ou escrito.

Progressão

Num texto coerente, o conteúdo deve progredir, ou seja, devemos sempre acrescentar novas informações ao que já foi dito. A progressão complementa a retomada: esta garante a recuperação de elementos passados; aquela garante que o texto não se limite a repetir indefinidamente o que já foi mencionado. Equilibrando assim o que já foi dito ou escrito como que se vai dizer ou escrever, garantindo a continu7idade do tema e a expansão do sentido. Há palavras e expressões que se usam para explicitar a progressão como, “depois”, “além disso”, “a seguir”, “ainda”, “tampouco”.

Relação

Num texto coerente, os fatos e conceitos devem estar relacionados. Essa relação deve ser suficiente para justificar sua inclusão num mesmo texto. As relações mais freqüentes entre os fatos, conceitos e dados que se articulam em textos são as causa, condição ou conseqüência. A língua costuma empregar conjunções, advérbios, numerais ordinais e muitas das chamadas palavras denotativas para explicitar essas relações.

Não-contradição

Num texto coerente, não devem surgir elementos que contradigam aquilo que já foi colocado. O texto não deve destruir a si mesmo, tomando como verdadeiro aquilo que já foi considerado falso, ou vice-versa.

Não se deve confundir a não-contradição com o contraste. A aproximação de idéias e fatos contrastes é um recurso muito freqüente no desenvolvimento da argumentação. Dizer, por exemplo, que o Brasil tem uma economia comparável às dos maiores países do mundo para, a seguir, declarar que a distribuição de renda no país é a pior do mundo não é uma contradição. É um contraste, que pode servir ao desenvolvimento de uma linha argumentativa.

O texto no discurso

Os textos circulam em nossa vida social em situações concretas de interação entre seus produtores e seus recebedores. Nessas situações efetivas de interação se manifesta o discurso e se revelam elementos que interferem na configuração dos textos e nos sentidos que produzem. Esses elementos incluem a intenção do produtor do texto, a expectativa do interlocutor, o contexto com que o texto se relaciona, o meio em que o texto circula, a adequação do texto ao gênero do discurso em que se inscreve, as relações de intertextualidade que estabelece.

Há um constante jogo de referencias, significados e sentidos entre os interlocutores, que usam os textos para agir um sobre o outro no cenário social de que fazem parte. O produtor de um texto procura organiza-lo de forma a ser bem sucedido em seu propósito, que pode ser persuadir, informar, impressionar, alarmar, pedir, ofender, consolar, confundir, ensinar etc. Ele sabe que o recebedor tem expectativas, e joga com elas a seu favor, procurando satisfazê-las ou não, de acordo com a estratégia que adota. Outro dado importante é o conhecimento que o produtor e o recebedor do texto partilham sobre o assunto do texto e sobre a realidade geral. Saber lidar com esse conhecimento partilhado é dosar na medida certa as informações explícitas, os subentendidos e os pressupostos do texto. Assim, cada produtor vai organizar seu texto desde a seleção vocabular até a opção pela utilização ou não de ilustrações, gráficos e outros elementos complementares visando o seu público, respeitando as diferenças entre faixa etária, condição social entre outros fatores.

Além disso, os textos se relacionam com os padrões esperados em cada área do universo social – os gêneros do discurso. Nas diferentes áreas da sociedade circulam textos com características próprias, determinadas por fatores sociais e históricos. Nossa prática com essas áreas faz com que tenhamos expectativas em relação aos textos que circulam nelas. Assim, quando abrimos um jornal ou uma revista, esperamos que os textos que neles encontraremos se relacionem com os padrões que temos em mente.

Produção de textos: prática individual e social

A produção de textos falados e escritos é uma das mais eficazes formas que cada um de nós tem de organizar os resultados das próprias reflexões críticas sobre a realidade a fim de expô-las aos outros (e a nós mesmos...). Nossos textos são uma das armas de que dispomos para tentar intervir na realidade. Devemos, por isso, aprender a obter e selecionar as informações, para processá-las criticamente e reelaborá-las em textos que, ao circularem socialmente, podem atuar sobre a realidade.

No caso particular do texto escrito, o ato de sua produção é quase sempre individual e solitário. Isso, no entanto, não nos deve causar a falsa impressão de que o texto produzido é também ele individual e solitário. Na verdade, nesse momento de reflexão e trabalho individuais devem estar presentes todos os elementos essencialmente sociais que se incorporam a cada texto e o transformam em um ato de interlocução.


MARQUE OS QUATRO PRINCÍPIOS DE ORGANIZAÇÃO QUE COMFEREM AO TEXTO COESÃO E COERÊNCIA.

A MOÇA TECELÃ

Marina Colassanti

Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o sol chegando atrás das beiradas da noite. E logo sentava-se ao tear.

Linha clara, para começar o dia. Delicado traço cor da luz, que ela ia passando entre os fios estendidos, enquanto lá fora a claridade da manhã desenhava o horizonte.

Depois lãs mais vivas, quentes lãs iam tecendo hora a hora, em longo tapete que nunca acabava.

Se era forte demais o sol, e no jardim pendiam as pétalas, a moça colocava na lançadeira grossos fios cinzentos do algodão mais felpudo. Em breve, na penumbra trazida pelas nuvens, escolhia um fio de prata, que em pontos longos rebordava sobre o tecido. Leve, a chuva vinha cumprimentá-la à janela.

Mas se durante muitos dias o vento e o frio brigavam com as folhas e espantavam os pássaros, bastava a moça tecer com seus belos fios dourados, para que o sol voltasse a acalmar a natureza.

Assim, jogando a lançadeira de um lado para o outro e batendo os grandes pentes do tear para a frente e para trás, moça passava seus dias.

Nada lhe faltava. Na hora da fome tecia um lindo peixe, com cuidado de escamas. E eis que o peixe estava na mesa, pronto para ser comido. Se sede vinha, suave era a lã cor de leite que entremeava o tapete. E à noite, depois de lançar seu fio de escuridão, dormia tranqüila.

Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.

Mas tecendo e tecendo, ela própria trouxe o tempo em que se sentiu sozinha, e pela primeira vez pensou como seria bom ter um marido ao lado.

Não esperou o dia seguinte. Com capricho de quem tenta uma coisa nunca conhecida, começou a entremear no tapete as lãs e as cores que lhe dariam companhia. E aos poucos seu desejo foi aparecendo, chapéu emplumado, rosto barbado, corpo aprumado, sapato engraxado. Estava justamente acabando de entremear o último fio da ponta dos sapatos, quando bateram à porta.

Nem precisou abrir. O moço meteu a mão na maçaneta, tirou o chapéu de pluma, e foi entrando na sua vida.

Aquela noite, deitada contra o ombro dele, a moça pensou nos lindos filhos que teceria para aumentar ainda mais a sua felicidade.

E feliz foi, por algum tempo. Mas se o homem tinha pensado em filhos, logo os esqueceu. Porque, descoberto o poder do tear, em nada mais pensou a não ser nas coisas todas que ele poderia lhe dar.

- Uma casa melhor é necessária – disse para a mulher. E parecia justo, agora que eram dois. Exigiu que escolhesse as mais belas lãs cor de tijolo, fios verdes para os batentes e pressa para a casa acontecer.

Mas pronta a casa, já não lhe pareceu suficiente. – Por que ter casa, se podemos ter palácio? – perguntou. Sem querer resposta, imediatamente ordenou que fosse de pedra com arremates de prata.

Dias e dias, semanas e meses trabalhou a moça tecendo tetos e portas, pátios e escadas, e salas e poços. A neve caía lá fora, e ela não tinha tempo para chamar o sol. A noite chegava, e ela não tinha tempo para arrematar o dia. Tecia e entristecia, enquanto sem parar batiam os pentes acompanhando o ritmo da lançadeira.

Afinal, o palácio ficou pronto. E entre tantos cômodos, o marido escolheu para ela e seu tear o mais alto quarto da mais alta torre.

- É para que ninguém saiba do tapete – disse. E antes de trancar a porta a chave advertiu: - Faltam as estrebarias. E não se esqueça dos cavalos!

Sem descaso tecia a mulher os caprichos do marido, enchendo o palácio de luxos, os cofres de moedas, as salas de criados. Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.

E tecendo, ela própria trouxe o tempo em que sua tristeza lhe pareceu muito maior que o palácio com todos os seus tesouros. E pela primeira vez pensou como seria bom estar sozinha de novo.

Só esperou anoitecer. Levantou-se enquanto o marido dormia sonhando com novas exigências. E descalça para não fazer barulho, subiu a longa escada da torre, sentou-se ao tear.

Desta vez não precisou escolher linha nenhuma. Segurou a lançadeira ao contrário, e, jogando-se veloz de um lado para o outro, começou a desfazer o seu tecido. Desteceu os cavalos, as carruagens, as estrebarias, os jardins. Depois desteceu os criados e o palácio. E todas as maravilhas que continha. E novamente se viu na sua casa pequena e sorriu para o jardim além da janela.

A noite acabava quando o marido, estranhando a cama dura, acordou, e espantado olhou em volta. Não teve tempo de se levantar. Ela já desfazia o desenho escuro dos sapatos e ele viu seus pés desaparecendo, sumindo as pernas. Rápido, o nada subiu-lhe pelo corpo, tomou o peito aprumado, o emplumado chapéu.

Então, como se ouvisse a chegada do sol, a moça escolheu uma linha clara. E foi passando a devagar entre os fios, delicado traço de luz, que a manhã repetiu na linha do horizonte.


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