Refletindo sobre a Educação de Jovens e Adultos e o Método Paulo Freire

A Educação de Jovens e Adultos (EJA) é uma modalidade específica da Educação Básica que se propõe a atender a um público ao qual foi negado o direito à educação durante a infância e/ou adolescência seja pela oferta irregular de vagas, seja pelas inadequações do sistema de ensino ou pelas condições socioeconômicas desfavoráveis.
O conceito de EJA muitas vezes confunde-se com o de Ensino Noturno. Trata-se de uma associação equivocada uma vez que a EJA não se define pelo turno em que é oferecida, mas muito mais pelas características e especificidades dos sujeitos aos quais ela se destina.

 Várias iniciativas de educação de adultos em escolas ou outros espaços têm demonstrado a necessidade de ofertar essa modalidade para além do noturno de forma a permitir a inclusão daqueles que só podem estudar durante o dia. Para que se considere a EJA enquanto uma modalidade educativa inscrita no campo do direito, faz-se necessário superar uma concepção dita compensatória cujas principais fundamentos são a de recuperação de um tempo de escolaridade perdido no passado e a idéia de que o tempo apropriado para o aprendizado é a infância e a adolescência. Nesta perspectiva, é preciso buscar uma concepção mais ampla das dimensões tempo/espaço de aprendizagem, na qual educadores e educandos estabeleçam uma relação mais dinâmica com o entorno social e com as suas questões, considerando que a juventude e a vida adulta são também tempos de aprendizagens.

Os artigos 1o e 2o da LDBEN de 1996 fundamentam essa concepção enfatizando a educação como direito que se afirma independente do limite de idade:
Art. 1o - "A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais".
Art. 2o - "A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho".
Para que possamos estabelecer com clareza a parcela da população a ser atendida pela modalidade EJA, é fundamental refletir sobre o seu público, suas características e especificidades. Tal reflexão servirá de base para a elaboração de processos pedagógicos específicos para esse público. Segundo Marta Kohl, a Educação de Jovens e Adultos refere-se não apenas a uma questão etária, mas sobretudo de especificidade cultural, ou seja, embora defina-se um recorte cronológico, os jovens e adultos aos quais dirigem-se as ações educativas deste campo educacional não são quaisquer jovens e adultos, mas uma determinada parcela da população.
"O adulto, para a EJA, não é o estudante universitário, o profissional qualificado que freqüenta cursos de formação continuada ou de especialização, ou a pessoa adulta interessada em aperfeiçoar seus conhecimentos em áreas como artes, línguas estrangeiras ou música, por exemplo... E o jovem, relativamente recentemente incorporado ao território da antiga educação de adultos, não é aquele com uma história de escolaridade regular, o vestibulando ou o aluno de cursos extracurriculares em busca de enriquecimento pessoal. Não é também o adolescente no sentido naturalizado de pertinência a uma etapa bio-psicológica da vida." (Oliveira, 1999, p.1.)
São homens e mulheres, trabalhadores, empregados e desempregados ou em busca do primeiro emprego; filhos, pais e mães; moradores urbanos de periferias, favelas e vilas. São sujeitos sociais e culturais, marginalizados nas esferas socioeconômicas e educacionais, privados do acesso à cultura letrada e aos bens culturais e sociais, comprometendo uma participação mais ativa no mundo do trabalho, da política e da cultura. Vivem no mundo urbano, industrializado, burocratizado e escolarizado, em geral trabalhando em ocupações não qualificadas. Trazem a marca da exclusão social, mas são sujeitos do tempo presente e do tempo futuro, formados pelas memórias que os constituem enquanto seres temporais. São, ainda, excluídos do sistema de ensino, e apresentam em geral um tempo maior de escolaridade devido a repetências acumuladas e interrupções na vida escolar. Muitos nunca foram à escola ou dela tiveram que se afastar, quando crianças, em função da entrada precoce no mercado de trabalho, ou mesmo por falta de escolas. Jovens e adultos que quando retornam à escola o fazem guiados pelo desejo de melhorar de vida ou por exigências ligadas ao mundo do trabalho. São sujeitos de direitos, trabalhadores que participam concretamente da garantia de sobrevivência do grupo familiar ao qual pertencem.”(Parecer/CME)
Considerar a heterogeneidade desse público, quais seus interesses, suas identidades, suas preocupações, necessidades, expectativas em relação à escola, suas habilidades, enfim, suas vivências, torna-se de suma importância para a construção de uma proposta pedagógica que considere suas especificidades. É fundamental perceber quem é esse sujeito com o qual lidamos para que os conteúdos a serem trabalhados façam sentidos, tenham significado, sejam elementos concretos na sua formação, instrumentalizando-o para uma intervenção significativa na sua realidade.
Um passo inicial pode ser a elaboração de instrumentos e estratégias que contribuam para o levantamento de dados para além das questões referentes à faixa etária, escolarização, mundos do trabalho ou inserção no núcleo familiar. É importante ressaltar que essa é uma reflexão de todo o coletivo e que todos devem participar na elaboração de tais instrumentos e estratégias. Os dados colhidos permitem visualizar várias possibilidades de trabalho e devem se referenciar nos conhecimentos e na observação feita pelo professor no dia-a-dia com seus alunos, nas expectativas observadas e nas representações de mundo que os alunos trazem de suas vivências.
Ressaltamos que é essencial garantir o registro de todo o processo, afinal todo esse universo de informações vai constituir o perfil dos alunos, seus conhecimentos prévios, suas expectativas, tornando-se um dos materiais fundamentais para que a equipe de professores possa ir planejando sua ação. É muito importante que o professor esteja atento à utilização dos dados que demonstrem os interesses dos alunos, para desenvolver suas atividades de forma mais significativa.

Grupo de Trabalho de Educação de Jovens e Adultos do Centro de Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação (GT/EJA/CAPE/SMED)

O MÉTODO PAULO FREIRE ©


©Texto de Sonia Couto Souza Feitosa como parte da dissertação de mestrado defendida na FE-USP (1999) intitulada: "Método Paulo Freire: princípios e práticas de uma concepção popular de educação"


1 - Introdução
Existem diversos e conhecidos trabalhos sobre o Método Paulo Freire. Não queremos reproduzi-los aqui. Buscaremos entender quais são os princípios e práticas deste Método já que o próprio Paulo Freire entendia tratar-se muito mais de uma Teoria do Conhecimento do que de uma metodologia de ensino, muito mais um método de aprender que um método de ensinar
Paulo Freire marcou uma ruptura na história pedagógica de seu país e da América Latina. Através da criação da concepção de educação popular ele consolidou um dos paradigmas mais ricos da pedagogia contemporânea rompendo radicalmente com a educação elitista e comprometendo-se verdadeiramente com homens e mulheres. Num contexto de massificação, de exclusão, de desarticulação da escola com a sociedade, Freire dá sua efetiva contribuição para a formação de uma sociedade democrática ao construir um projeto educacional radicalmente democrático e libertador. Assim sendo, seu pensamento e sua obra é, e continuará sendo, um marco na pedagogia nacional e internacional.
Ao longo de sua militância educacional, social e política, Freire jamais deixou de lutar pela superação da opressão e desigualdades sociais entendendo que um dos fatores determinantes para que ela se dê é o desenvolvimento da consciência crítica através da consciência histórica. Seu projeto educacional sempre contemplou essa prática, construindo sua teoria do conhecimento com base no respeito pelo educando, na conquista da autonomia e na dialogicidade enquanto princípios metodológicos.
Esse pensar crítico e libertador que permeia sua obra, serve como inspiração para educadores do mundo inteiro que acreditam ser possível unir as pessoas numa sociedade com eqüidade e justiça. Isso faz com que Paulo Freire seja hoje um dos educadores mais lidos do mundo.
Nas últimas décadas, temos presenciado a evolução e recriação de suas teses epistemológicas, ou seja, sua teoria do conhecimento, que apontam para a construção de novos paradigmas educacionais e constante recriação da práxis pedagógica libertadora.

2 - Pressupostos do Método

A proposta de Freire parte do Estudo da Realidade (fala do educando) e a Organização dos Dados (fala do educador). Nesse processo surgem os Temas Geradores, extraídos da problematização da prática de vida dos educandos. Os conteúdos de ensino são resultados de uma metodologia dialógica. Cada pessoa, cada grupo envolvido na ação pedagógica dispõe em si próprio, ainda que de forma rudimentar, dos conteúdos necessários dos quais se parte. O importante não é transmitir conteúdos específicos, mas despertar uma nova forma de relação com a experiência vivida. A transmissão de conteúdos estruturados fora do contexto social do educando é considerada "invasão cultural" ou "depósito de informações" porque não emerge do saber popular. Portanto, antes de qualquer coisa, é preciso conhecer o aluno. Conhecê-lo enquanto indivíduo inserido num contexto social de onde deverá sair o "conteúdo" a ser trabalhado.
Assim sendo, "não se admite uma prática metodológica com um programa previamente estruturado assim como qualquer tipo de exercícios mecânicos para verificação da aprendizagem, formas essas próprias da "educação bancária", onde o saber do professor é depositado no aluno, práticas essas domesticadoras. (BARRETO, s.d. p. 4). O relacionamento educador-educando nessa perspectiva se estabelece na horizontalidade onde juntos se posicionam como sujeitos do ato do conhecimento. Elimina-se portanto toda relação de autoridade uma vez que essa prática inviabiliza o trabalho de criticidade e conscientização.
Segundo Freire o ato educativo deve ser sempre um ato de recriação, de re-significação de significados. O Método Paulo Freire tem como fio condutor a alfabetização visando à libertação. Essa libertação não se dá somente no campo cognitivo mas acontece essencialmente nos campos social e político. Para melhor entender este processo precisamos ter clareza dos princípios que constituem o método e que estão diretamente relacionados às idéias do educador que o concebeu.
1º - O primeiro princípio do "Método Paulo Freire" diz respeito à politicidade do ato educativo.
Um dos axiomas do Método em questão é que não existe educação neutra. A educação vista como construção e reconstrução contínua de significados de uma dada realidade prevê a ação do homem sobre essa realidade. Essa ação pode ser determinada pela crença fatalista da causalidade e, portanto, isenta de análise uma vez que ela se lhe apresenta estática, imutável, determinada, ou pode ser movida pela crença de que a causalidade está submetida a sua análise, portanto sua ação e reflexão podem alterá-la, relativizá-la, transformá-la.
A visão ingênua que homens e mulheres têm da realidade faz deles escravos, na medida em que não sabendo que podem transformá-la, sujeitam-se a ela. Essa descrença na possibilidade de intervir na realidade em que vivem é alimentada pelas cartilhas e manuais escolares que colocam homens e mulheres como observadores e não como sujeitos dessa realidade.
O que existe de mais atual e inovador no Método Paulo Freire é a indissociação da construção dos processos de aprendizagem da leitura e da escrita do processo de politização. O alfabetizando é desafiado a refletir sobre seu papel na sociedade enquanto aprende a escrever a palavra sociedade; é desafiado a repensar a sua história enquanto aprende a decodificar o valor sonoro de cada sílaba que compõe a palavra história. Essa reflexão tem por objetivo promove a superação da consciência ingênua - também conhecida como consciência mágica - para a consciência crítica.
Na experiência de Angicos, assim como em outros lugares onde foi adotado o método, as salas de aula transformaram-se em fóruns de debate, denominados "Círculos de Cultura". Neles, os alfabetizandos aprendiam a ler as letras e o mundo e a escrever a palavra e também a sua própria história.
Através de slides contendo cenas de seu cotidiano esses trabalhadores/educandos discutiam sobre o desenrolar de suas vidas reconstruindo sua história, sendo desafiados a perceberem-se enquanto sujeitos dessa história. Nesse contexto era apresentada uma palavra aos educandos - ligada a esse cotidiano e previamente escolhida - e, através do estudo das famílias silábicas que a compunham, o educando apropriava-se do conhecimento do código escrito ao mesmo tempo que refletia sobre sua história de vida.
O professor, contrariando a visão tradicionalista que atribui a ele o papel privilegiado de detentor do saber, é denominado "Animador de debates" e tem o papel de coordenar o debate, problematizar as discussões para que opiniões e relatos surjam. Cabe também ao educador conhecer o universo vocabular dos educandos, o seu saber traduzido através de sua oralidade, partindo de sua bagagem cultural repleta de conhecimentos vividos que se manifestam através de suas histórias, de seus "causos" e, através do diálogo constante, em parceria com o educando, reinterpretá-los, recriá-los.
Os alfabetizandos, ao dialogar com seus pares e com o educador sobre o seu meio e sua realidade, têm a oportunidade de desvelar aspectos dessa realidade que até então poderiam não ser perceptíveis. Essa percepção se dá em decorrência da análise das condições reais observadas uma vez que passam a observá-la mais detalhadamente. Uma re-admiração da realidade inicialmente discutida em seus aspectos superficiais será realizada, porém com uma visão mais crítica e mais generalizada. Essa nova visão, não mais ingênua, mas crítica vai instrumentalizá-los na busca de intervenção para transformação.
Todo esse movimento de observação-reflexão-readmiração-ação faz do Método Paulo Freire uma metodologia de caráter eminentemente político.
2º - O segundo princípio do Método diz respeito a dialogicidade do ato educativo.
Segundo Harmon, a pedagogia proposta por Freire é fundamentada numa antropologia filosófica dialética cuja meta é o engajamento do indivíduo na luta por transformações sociais (HARMON, 1975:89). Sendo assim, para Freire, a base da pedagogia é o diálogo. A relação pedagógica necessita ser, acima de tudo, uma relação dialógica.
Essa premissa está presente no método em diferentes situações: entre educador e educando, entre educando e educador e o objeto do conhecimento, entre natureza e cultura.
Sempre em busca de um humanismo nas relações entre homens e mulheres, a educação, segundo Paulo Freire, tem como objetivo promover a ampliação da visão de mundo e isso só acontece quando essa relação é mediatizada pelo diálogo. Não no monólogo daquele que, achando-se saber mais, deposita o conhecimento, como algo quantificável, mensurável naquele que pensa saber menos ou nada saber. A atitude dialógica é, antes de tudo, uma atitude de amor, humildade e fé nos homens, no seu poder de fazer e de refazer, de criar e de recriar (FREIRE, 1987:81).
A dialogicidade, para Paulo Freire, está ancorada no tripé educador-educando-objeto do conhecimento. A indissociabilidade entre essas três "categorias gnosiológicas" é um princípio presente no Método a partir da busca do conteúdo programático. O diálogo entre elas começa antes da situação pedagógica propriamente dita. A pesquisa do universo vocabular, das condições de vida dos educandos é um instrumento que aproxima educador-educando-objeto do conhecimento numa relação de justaposição, entendendo-se essa justaposição como atitude democrática, conscientizadora, libertadora, daí dialógica.
O diálogo entre natureza e cultura, está presente no Método Paulo Freire a partir da idéia de homens e mulheres enquanto produtores de cultura. Para a introdução do conceito de cultura, ao mesmo tempo gnosiológica e antropológica, Freire selecionou dez situações existenciais "codificadas" para levar os grupos à sua respectiva "decodificação". Francisco Brenand um expressivo pintor brasileiro retratou essas situações. A utilização dessas situações existenciais, já naquela época, proporcionava uma perfeita integração entre educação e arte, proposta que atualmente é referendada nos Parâmetros Curriculares Nacionais. Essas gravuras representando cenas da vida dos alfabetizandos, apresentavam, por serem um recorte da realidade, o cenário natural para que os debates, partindo deste contexto existencial, não fosse apenas um blá, blá, blá (expressão usada diversas vezes por Freire) sobre o vazio, mas que fosse uma rica exposição de idéias sobre o seu mundo e sobre a sua ação nesse mundo capaz de transformá-lo com seu trabalho. Aprender é um ato de conhecimento da realidade concreta, isto é, da situação real vivida pelo educando e só tem sentido se resultar de uma aproximação crítica dessa realidade.
O diálogo entre natureza e cultura, entre o homem e a cultura e entre o homem e a natureza se constituía em uma prática comum na alfabetização de jovens e adultos proposta por Freire. Fernando Menezes descreve como esse diálogo se efetivava nos Círculos de Cultura:
Os debates têm início na primeira hora que o homem participa do círculo de cultura. Em vinte minutos, uma turma de analfabetos é capaz de fazer a distinção fundamental para o método: natureza diferente de cultura. Para chegar a esse resultado, se utiliza através de slides ou quadros, uma cena cotidiana do meio onde vive o grupo. Como exemplo, citaremos uma cena do campo: um homem, sua palhoça, uma cacimba, um pássaro voando e uma árvore. O mestre exige de todos a descrição daquela cena, e em seguida, indaga o que o homem fez e o que ele não fez naquele quadro. Ao obter as respostas deixa logo indicada a diferença: o que o homem faz é Cultura e o que ele não faz é Natureza.
(Jornal do Comércio, Recife, em 09/03/63)
Uma metodologia que promova o debate entre o homem, a natureza e a cultura, entre o homem e o trabalho, enfim entre o homem e o mundo em que vive, é uma metodologia dialógica e, como tal, prepara o homem para viver o seu tempo, com as contradições e os conflitos existentes, e conscientiza-o da necessidade de intervir nesse tempo presente para a construção e efetivação de um futuro melhor.

4 - Momentos e Fases do Método

Do ponto de vista semântico, a palavra "método" pode significar: "caminho para chegar a um fim; caminho pelo qual se atinge um objetivo; programa que regula previamente uma série de operações que se devem realizar, apontando erros evitáveis, em vista de um resultado determinado; processo ou técnica de ensino: método direto; modo de proceder; maneira de agir; meio" (FERREIRA, 1986:1128).
A palavra "método" da forma como é definida em seu "sentido de base" não retrata com fidelidade a idéia e o trabalho desenvolvido por Freire. É no "sentido contextual", carregado dos princípios de seu idealizador, que a palavra método é utilizada em larga escala.
Em entrevista concedida à Nilcéia Lemos Pelandré, em 14/04/1993, Freire diz o seguinte:

Eu preferia dizer que não tenho método. O que eu tinha, quando muito jovem, há 30 anos ou 40 anos, não importa o tempo, era a curiosidade de um lado e o compromisso político do outro, em face dos renegados, dos negados, dos proibidos de ler a palavra, relendo o mundo. O que eu tentei fazer e continuo hoje, foi ter uma compreensão que eu chamaria de crítica ou de dialética da prática educativa, dentro da qual, necessariamente, há uma certa metodologia, um certo método, que eu prefiro dizer que é método de conhecer e não um método de ensinar (PELANDRÉ, 1998:298).

Embora concordemos com Freire, a expressão "Método Paulo Freire" é hoje uma expressão universalizada e cristalizada como referência de uma "concepção democrática, radical e progressista de prática educativa", razão pela qual usamos essa expressão ao longo deste texto.
Essa insistência em classificar a metodologia de Freire em termos de Método ou Sistema se dá pelo fato dela compreender uma certa sequenciação das ações, ou melhor dizendo, ela estrutura-se em momentos que, pela sua natureza dialética, não são estanques, mas estão interdisciplinarmente ligados entre si.
Para situar melhor essa sequenciação indicaremos aqui os momentos que compõem a metodologia criada por Freire:
1º Momento: Investigação Temática – Pesquisa Sociológica: investigação do universo vocabular e estudo dos modos de vida na localidade (Estudo da Realidade). Segundo Beisiegel:

O método começava por localizar e recrutar os analfabetos residentes na área escolhida para os trabalhos de alfabetização. Prosseguia mediante entrevistas com os adultos inscritos nos "círculos de cultura" e outros habitantes selecionados entre os mais antigos e os mais conhecedores da realidade. Registravam-se literalmente as palavras dos entrevistados a propósito de questões referidas às diversas esferas de suas experiências de vida no local: questões sobre experiências vividas na família, no trabalho, nas atividades religiosas, políticas recreativas etc. O conjunto das entrevistas oferecia à equipe de educadores uma extensa relação das palavras de uso corrente na localidade. Essa relação era entendida como representativa do universo vocabular local e delas se extraíam as palavras geradoras – unidade básica na organização do programa de atividades e na futura orientação dos debates que teriam lugar nos "círculos de cultura" ( BEISIEGEL, 1974, p. 165)
Como podemos perceber, o estudo da realidade não se limita à simples coleta de dados e fatos, mas deve, acima de tudo, perceber como o educando sente sua própria realidade superando a simples constatação dos fatos; isso numa atitude de constante investigação dessa realidade. Esse mergulho na vida do educando fará o educador emergir com um conhecimento maior de seu grupo-classe, tendo condições de interagir no processo ajudando-o a definir seu ponto de partida que irá traduzir-se no tema gerador geral.
A expressão tema gerador geral está ligada à idéia de Interdisciplinaridade e está presente na metodologia freireana pois tem como princípio metodológico a promoção de uma aprendizagem global, não fragmentada. Nesse contexto, está subjacente a noção holística, de promover a integração do conhecimento e a transformação social. Do tema gerador geral sairá o recorte para cada uma das áreas do conhecimento ou, para as palavras geradoras. Portanto, um mesmo tema gerador geral poderá dar origem à várias palavras geradoras que deverão estar ligadas a ele em função da relação social e que os sustenta.
2º Momento: Tematização: seleção dos temas geradores e palavras geradoras.
Através da seleção de temas e palavras geradoras, realizamos a codificação e decodificação desses temas buscando o seu significado social, ou seja, a consciência do vivido. Através do tema gerador geral é possível avançar para além do limite de conhecimento que os educandos têm de sua própria realidade, podendo assim melhor compreendê-la a fim de poder nela intervir criticamente. Do tema gerador geral deverão sair as palavras geradoras. Cada palavra geradora deverá ter a sua ilustração que por sua vez deverá suscitar novos debates. Essa ilustração (desenho ou fotografia) sempre ligada ao tema, tem como objetivo a "codificação", ou seja, a representação de um aspecto da realidade, de uma situação existencial construída pelos educandos em interação com seus elementos.
3º Momento: Problematização: busca da superação da primeira visão ingênua por uma visão crítica, capaz de transformar o contexto vivido. "A problematização nasce da consciência que os homens adquirem de si mesmos que sabem pouco a próprio respeito. Esse pouco saber faz com que os homens se transformem e se ponham a si mesmos como problemas"(JORGE, 1981:78).
Após a etapa de investigação (estudo da realidade), passa-se à seleção das palavras geradoras, que deverá obedecer a três critérios básicos:
a) Elas devem necessariamente estar inseridas no contexto social dos educandos.
b) Elas devem ter um teor pragmático, ou melhor, as palavras devem abrigar uma pluralidade de engajamento numa dada realidade social, cultural, política etc...
c) Elas devem ser selecionadas de maneira que sua seqüência englobe todos os fonemas da língua, para que com seu estudo sejam trabalhadas todas as dificuldades fonéticas.
Essa seleção deve ser conjunta, cabendo porém ao educador a seleção gradual das dificuldades fonéticas, uma vez que o método é silábico. Os fonemas trabalhados numa aula deverão ser registrados numa ficha ou no próprio caderno para que o educando, em casa, seja desafiado a construir novas palavras (uma vez que algumas já foram criadas pelo grupo), comparar com as já criadas, descobrindo semelhanças e/ou diferenças entre elas. Nesse processo de construção de novas palavras, leitura e escrita acontecem simultaneamente.
É importante que o educador mostre aos educandos a articulação oral dos valores das vogais nos fonemas para facilitar o reconhecimento sonoro de cada uma das vogais.
Em seu livro Educação como Prática da Liberdade Freire propõe a execução prática do Método em cinco fases, a saber:
1ª Fase: levantamento do universo vocabular dos grupos com quem se trabalhará. Essa fase se constitui num importante momento de pesquisa e conhecimento do grupo, aproximando educador e educando numa relação mais informal e portanto mais carregada de sentimentos e emoções. É igualmente importante para o contato mais aproximado com a linguagem, com os falares típicos do povo.
2ª Fase: escolha das palavras selecionadas do universo vocabular pesquisado. Como já afirmamos anteriormente, esta escolha deverá ser feita sob os critérios: a) da riqueza fonética; b) das dificuldades fonéticas, numa seqüência gradativa dessas dificuldades; c) do teor pragmático da palavra, ou seja, na pluralidade de engajamento da palavra numa dada realidade social, cultural, política etc...
3ª Fase: criação de situações existenciais típicas do grupo com quem se vai trabalhar. São situações desafiadoras, codificadas e carregadas de elementos que serão descodificados pelo grupo com a mediação do educador. São situações locais que discutidas abrem perspectivas para a análise de problemas regionais e nacionais.
4ª Fase: Elaboração de fichas-roteiro que auxiliem os coordenadores de debate no seu trabalho. São fichas que deverão servir como subsídios, mas sem uma prescrição rígida a seguir.
5ª Fase: Elaboração de fichas com a decomposição das famílias fonéticas correspondentes aos vocábulos geradores. Esse material poderá ser confeccionado na forma de slides, stripp-filmes (fotograma) ou cartazes.
A proposta de utilização dessa metodologia na alfabetização de jovens e adultos foi completamente inovadora e diferente das técnicas até então utilizadas que eram, na maioria das vezes, resultado de adaptações simplistas das cartilhas, com forte tônica infantilizante. Foi diferente por possibilitar uma aprendizagem libertadora, não mecânica, mas uma aprendizagem que requer uma tomada de posição frente aos problemas que vivemos. Uma aprendizagem integradora, abrangente, não compartimentalizada, não fragmentada, com forte teor ideológico. Foi diferente pois promovia a horizontalidade na relação educador-educando, a valorização de sua cultura, de sua oralidade, enfim, foi diferente, acima de tudo, pelo seu caráter humanístico. Dessa forma, o Método proposto por Freire rompeu com a concepção utilitária do ato educativo propondo uma outra forma de alfabetizar. Cabe aqui também o registro que Paulo Freire, ao trabalhar com slides, gravuras, enfim materiais audiovisuais foi um dos pioneiros na utilização da linguagem multimídia na alfabetização de adultos. Isso prova o quanto Freire estava à frente de seu tempo.
No entanto, desde a sua origem e aplicação na década de 60 até os dias atuais, o Método Paulo Freire vem suscitando controvérsias, se constituindo em assunto polêmico para a realização de teses, simpósios, mesas-redondas, publicação de livros e artigos, além de se constituir em fonte de estudo, pesquisa e também aplicação em diferentes partes do Brasil e do mundo.
O Método Paulo Freire continua vivo e em evolução entre aqueles que trabalham com as suas idéia, mas reafirmamos a necessidade de recriação constante em toda e qualquer prática educativa, inclusive no método em questão.

A formação docente

As instituições de ensino, públicas e particulares, têm se preocupado muito com a formação de seu corpo docente, pois sabem que a qualidade do ensino depende muito da relação professor-aluno.
A educação de jovens e adultos é toda educação destinada àqueles que não tiveram oportunidades educacionais em idade própria ou que a tiveram de forma insuficiente, não conseguindo alfabetizar-se e obter os conhecimentos básicos necessários (Paiva,1973, p 16).
Esse conceito nos faz perceber que o professor que vai atuar com jovens e adultos deve ter uma formação especial, que lhe permita compreender os anseios e necessidades dessas pessoas tão especiais, além de saber lidar com os sentimentos delas.
A educação de jovens e adultos requer do educador conhecimentos específicos no que diz respeito ao conteúdo, metodologia, avaliação, atendimento, entre outros, para trabalhar com essa clientela heterogênea e tão diversificada culturalmente.
O professor da EJA deve compreender a necessidade de respeitar a pluralidade cultural, as identidades, as questões que envolvem classe, raça, saber e linguagem dos seus alunos, caso contrário, o ensino ficará limitado à imposição de um padrão, um modelo pronto e acabado em que se objetiva apenas ensinar a ler e a escrever, de forma mecânica. Enfim, o que se pretende com a EJA é dar oportunidade igual a todos. É necessário superar a idéia de que a EJA se esgota na alfabetização, desligada da escolarização básica de qualidade.
Educar jovens e adultos, hoje, não é apenas ensiná-los a ler e escrever seu próprio nome. É oferecer-lhes uma escolarização ampla e com mais qualidade. E isso requer atividades contínuas e não projetos isolados que na primeira dificuldade, são deixados de lado para o início de outro. Além disso, a educação de jovens e adultos não deve se preocupar apenas em reduzir números e índices de analfabetismo. Deve ocupar-se de fato com a cultura do educando, com sua preparação para o mercado de trabalho e como previsto nas diretrizes curriculares da EJA a mesma tem como funções: reparar, qualificar e equalizar o ensino.
Neste sentido compete ao professor, além de incrementar seus conhecimentos e atualizá-los, esforçar-se por praticar os métodos mais adequados em seu ensino, proceder a uma análise de sua própria realidade pessoal como educador, examinar com autoconsciência crítica sua conduta e seu desempenho, com a intenção de ver se está cumprindo aquilo que sua consciência crítica da realidade nacional lhe assinala como sua correta atividade. A capacitação crescente do educador se faz, assim, por duas vias; a externa, representada por cursos de capacitação, aperfeiçoamento, seminários, leitura de periódicos especializados etc., e a via interior, que é a autocrítica que cada professor deve fazer, indagando sobre o seu papel na sociedade e se, de fato, o está cumprindo.
Um dos grandes problemas da formação docente é a auto-suficiência. Julgar que sabem tudo é o grande erro dos docentes, pois a condição para o constante aperfeiçoamento do educador não é somente a sensibilidade aos estímulos intelectuais, mas é fundamental a consciência de sua natureza inconclusa como sabedor. Não são os negligentes e sim os auto-suficientes que estacionam no caminho de sua formação profissional. Progredir não significa apenas adquirir novos conhecimentos. É abrir a própria consciência para as inovações que surgem diariamente e repensar a própria metodologia de ensino.
Conhecer a prática docente do professor que atua no campo específico da educação de jovens e adultos torna-se necessário também à compreensão específica deste tipo de ensino quanto à possibilidade de intervenções que objetivem uma educação de qualidade (acesso, permanência e aquisição de conhecimentos básicos à vida e ao trabalho.
O professor que realmente deve estar atualizado deve discutir a didática que está sendo utilizada na educação de jovens e adultos, na tentativa de melhor adequá-la às necessidades dos educandos.
O educador deve perceber o aluno como um ser pensante, cheio de capacidade e portador de idéias, que se apresentam espontaneamente, em uma conversação simples e em suas críticas aos fatos do dia-a-dia. O aluno adulto tem muito a contribuir para o processo de ensino-aprendizagem, não só por ser um trabalhador, mas pelo conjunto de ações que exerce na família e na sociedade.


Proposta Curricular
O conceito de proposta curricular é um construto histórico que reflete as transformações decorrentes da organização econômica, política e legal de uma sociedade em um determinado momento.
A nova LDB (Lei n. 9394/96), em seu artigo 1, refere-se aos princípios norteadores da educação e estimula a criação de propostas alternativas para promover a igualdade de condições para o acesso e permanência do aluno no processo educativo, a utilização de concepções pedagógicas que valorizem a experiência extra-escolar e a vinculação da educação com o trabalho e com as práticas sociais. Essas orientações sugerem propostas pedagógicas concretas mais próximas da realidade.
Os educadores devem analisar e definir claramente a ação educativa, percebendo-a como uma ação social, estabelecendo uma proposta curricular que considere as relações escola-comunidade e o retrato cultural, produzindo uma prática educativa articuladora da teoria com a prática, tendo o educando como sujeito do processo de aprendizagem.
A proposta curricular é entendida no âmbito dos PCNs e do documento EJA- Proposta Curricular para o 1º segmento do ensino fundamental, como referencial para a organização do trabalho pedagógico. Vale lembrar que serve como referencial para a organização do trabalho pedagógico, mas levando em conta a pluralidade cultural brasileira. Essa concepção valoriza o ideal da educação popular e destaca o valor educativo do diálogo e da participação, do saber dos alunos e estimula um desempenho inovador dos educandos.
No livro Pedagogia da autonomia – Saberes necessários à prática educativa, Paulo Freire oferece contribuições valiosas para conduzir à reflexão sobre a competência docente: “Ensinar exige respeito aos saberes dos educandos (...), discutir com os alunos a razão de ser de alguns desses saberes em relação com o ensino dos conteúdos (...). Ensinar exige disponibilidade para o diálogo (...) nas relações com os outros que não fizeram necessariamente as mesmas opções que fiz, no nível da política, da ética, da estética, da pedagogia (...) no respeito às diferenças entre mim e eles ou elas (...), que me encontro com eles ou com elas (...). Ensinar exige o reconhecimento e a assunção da identidade cultural (...), assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos (...). Ensinar a apreensão da realidade (...), transformar a realidade para nela intervir, recriando-a (...). Ensinar exige segurança, competência profissional e Generosidade (...). O fundamental no aprendizado do conteúdo é a construção da responsabilidade da liberdade que se assume (...)”.
Nessa direção a proposta EJA sugere que se considere, na elaboração do currículo:

a diversidade do público a que se destina;
a geração de modelos que atendam às realidades específicas, em relação aos alunos, e à organização do trabalho pedagógico (carga horária, duração, sequenciação do ensino, composição de turmas);
a seleção e distribuição dos conteúdos curriculares que considerem o desenvolvimento da personalidade dos alunos e o atendimento às exigências sociais;
a adequação dos conteúdos à natureza e às especificidades das diferentes áreas e as características do aluno;
a contemplação, no currículo, dos princípios e objetivos da educação, centrando o processo de reflexão no tipo de pessoa e na sociedade que se deseja formar, que se desdobram na definição de objetivos das áreas de Língua Portuguesa, Matemática, Estudo da Sociedade e da Natureza;
como a linha pedagógica detém-se no nível de oferecimento de pistas para o desenvolvimento de atividades mediadoras entre os objetivos e conteúdos e a inclusão de atividades para a formação profissional, deixar o tratamento metodológico ser detalhado nos programas específicos das diferentes áreas;
que a avaliação preveja a certificação e o encaminhamento dos jovens e adultos para o 2º segmento do ensino fundamental (a avaliação deve ser contínua e enseja fazer os ajustes necessários para que os objetivos sejam cumpridos).

Base Comum e Trabalho

A nova LDB trata, no artigo 32º, da formação básica e específica como objetivos desse nível de ensino:

domínio da leitura, da escrita e do cálculo;
compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores sociais;
fortalecimentos dos vínculos de família, da sociedade e da tolerância recíproca, imprescindíveis à vida social.

Estes objetivos orientam a base comum da educação fundamental, e por extensão, a educação de jovens e adultos.

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