Poesia 1

Nosso Tempo

V

Escuta a hora formidável do almoço
na cidade. Os escritórios, num passe, esvaziam-se.
As bocas sugam um rio de carne, legumes e tortas vitaminosas.
Salta depressa do mar a bandeja de peixes argênteos!
Os subterrâneos da fome choram caldo de sopa,
olhos líquidos de cão através do vidro devoram teu osso.
Come, braço mecânico, alimenta-te, mão de papel, é tempo de comida,
mais tarde será o de amor.

Lentamente os escritórios se recuperam, e os negócios, forma indecisa, evoluem.
O esplêndido negócio insinua-se no tráfego.
Multidões que o cruzam não vêem. É sem cor e sem cheiro.
Está dissimulado no bonde, por trás da brisa do sul,
vem na areia, no telefone, na batalha de aviões,
toma conta de tua alma e dela extrai uma porcentagem.

Escuta a hora espandongada da volta.
Homem depois de homem, mulher, criança, homem,
roupa, cigarro, chapéu, roupa, roupa, roupa,
homem, homem, mulher, homem, mulher, roupa, homem,
Imaginam esperar qualquer coisa,
e se quedam mudos, escoam-se passo a passo, sentam-se,
últimos servos do negócio, imaginam voltar para casa,
já noite, entre muros apagados, numa suposta cidade, imaginam.

Escuta a pequena hora noturna de compensação, leituras, apelo ao cassino, passeio na praia,
o corpo ao lado do corpo, afinal distendido,
com as calças despido o incômodo pensamento de escravo,
escuta o corpo ranger, enlaçar, refluir,
errar em objetos remotos e, sob eles soterrado sem dor,
confiar-se ao que-bem-me-importa
do sono.

Escuta o horrível emprego do dia
em todos os países de fala humana,
a falsificação das palavras pingando nos jornais,
o mundo irreal dos cartórios onde a propriedade é um bolo com flores,
os bancos triturando suavemente o pescoço do açúcar,
a constelação das formigas e usurários,
a má poesia, o mau romance,
os frágeis que se entregam à proteção do basilisco,
o homem feio, de mortal feiúra,
passeando de bote
num sinistro crepúsculo de sábado.





Platão considerava a poesia como algo divino. Segundo a sua interpretação, a poesia surgia no instante em que o poeta, possuído e inspirado por um deus, escrevia os seus belos poemas. Porque nenhum ser humano, por si só, tinha capacidade de elaborar uma obra poética. Dezenas de séculos se passaram e poetas contemporâneos ainda acreditam nessas considerações.

► Encontrar os elementos do poema “Nosso Tempo”:

• Figuras de retórica necessárias para registrarem os sentimentos;
• Palavras cujos sons se repetem em outras de múltipla escolha;
• A melhor rima (paranomásia ou interior);
• As coincidências sonoras em grupo de palavras;
• A plasticidade; a harmonia; a semântica;
• Os signos exatos e com a precisão no conteúdo;
• Fonemas constritivas vibrantes ou laterais, abertas, nasais, orais, fricativas, fechadas, oclusivas e seu poder sugestivo;
• A onomatopéia; a comparação; a metáfora (implícita ou explícita);
• A alegoria, o como funciona e qual o efeito e onde empregar;

A prática poética atual

Não é verdade que a poesia é pouco lida e praticada atualmente. Nas escolas, em geral, os livros de poesia são bastante apreciados. Isto em grande diversidade, embora a gula dos livreiros reclama, porque, enquanto “empresas” as editoras desejam grandes vendas e sucessivos recordes de vendas. Ano a ano o mercado de livros cresce. A poesia é mesmo um gênero complexo e mutante, neste mundo dos livros.

Como explicar as contradições da poesia? Existem dois caminhos à leitura: primeiro, a poesia; o outro, as estórias em quadrinhos. É freqüente uma pessoa desconhecer, ou não se lembrar, por exemplo, o nome do autor da letra de certa música (poesia cantada), inobstante, não sai de sua memória dois ou três versos. Isto ocorre em qualquer nível intelectual. Como explicar esta contradição? Se for realizada a enquête a seguir: “É mais fácil aprender a ler com um livro de poesias (infantis ou adultas) ou com um livro em prosa?” A resposta irá coincidir com o que apela aos sentimentos, ou seja, a estética. É o mistério da poesia, são os segredos da boa poesia. O que atrai as pessoas à poesia?

Se a curiosidade é a química do filósofo, a imaginação é a forja do poeta. Curiosidade e imaginação são esteios de uma mesma ciência (saber). Toda criança, embora haja exceções (graças a democracia ou ao espírito humano e suas características), possui em seu âmago filosofia inata. Na outra ponta da linha, a poesia, pois em todas as idades, sobretudo na adolescência, ao se permitir o exercício da imaginação muito mais se comparado a outras épocas, é onde, verdadeiramente, apresenta-se o gostar da paixão, do se apaixonar que nem os poetas.

Poeta não é só quem escreve poesias. Desde Homero com Ilíada e Odisséia até o poeta sentado em um banco escolar, ou em alguma cidade pequena, ou em outro ambiente a escrever poesias, com suas inseguranças e ausências de oportunidades políticas. Indubitavelmente, em cada canto existe gente fazendo poesia e poesia de qualidade. Por esta razão, dentre outras não menos importantes, o rádio (veículo das poesias cantadas) foi e é um dos instrumentos de comunicação popular e democrático. Em síntese, nossa língua é poética por natureza. Daí, todos gostarem de samba? Tudo dá samba ou pode ser poesia? Depois de Einstein tudo ficou relativo?

Há pessoas achando em tudo estética, outras consideram poesia. O povo, de um modo geral, conhece a poesia como forma legítima de arte. Poesia, conforme se conhece tradicionalmente, a arte de se escrever em versos, obedecendo ao ritmo etc., vem sofrendo mutações há muitos anos. Em cada século, a história da poesia, do fazer poético, muda, no mínimo, três a quatro vezes e, nessas mudanças, umas resistem, amparadas por convencimentos teóricos, outras acabam em nada.

Há um feito poético não apenas no texto (em prosa ou em verso), mas também em pintura, em escultura, em fotografia, em cinema, em vídeo, afinal, em outras atividades consideradas não artísticas. Onde se encontra emoção, onde se encontra o não aborrecimento, a não chatice estará a poesia? Poesia, como se conhece através dos tempos é, antes de qualquer coisa, a imaginação (reflexão) renovando os sentidos da vida, os prazeres da vida, a emoção, a estética. Qual é esse universo da poesia tão misterioso e quase intransponível de que se fala tanto?

Encontra-se sempre alguém produzindo poesia, elaborando a história particular de cada poesia, de cada sentimento. Quem faz poesia, recria o mundo. Com suas reflexões doces-amargas, amáveis ou divertidas, transforma uma madeira tosca (a vida com ausência de felicidade) em obra de arte (a vida feliz). Qual é seu mundo, poeta? Um mundo próprio. É o mundo-da-lua? É o mundo das palavras, dos signos, um mundo real e não imaginário, apesar de que, segundo Fernando Pessoa, em Autopsicografia: O POETA é um fingidor. Se o poeta finge ou não finge, o crítico de arte também é um fingidor?

Atividade do dia: construção de poema com o tema “tempo”, utilizando-se das palavras chaves selecionadas no encontro anterior.

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