Menina bonita do laço de fita: desconstrução do preconceito
Estudo de referência das oficinas de 17 e 24/09/2011
Esse livro, junto com Bisa Bia, Bisa Bel, é um dos mais premiados e traduzidos livros de Ana Maria Machado. Em seu livro Contracorrente (MACHADO, 1999)[viii], a autora relata que inicialmente o coelho branco curioso, personagem da história, era um brinquedo de sua filha Luísa, mais branca que os demais irmãos advindos do primeiro casamento de Ana Maria Machado.
Assim, a mãe criava brincadeiras em que o tal coelhinho perguntava por que Luísa, sempre enfeitada com laço de fita, era tão branquinha. Os irmãos ajudavam argumentando que era por comer muito arroz, ou beber leite demais etc.
Esse livro, junto com Bisa Bia, Bisa Bel, é um dos mais premiados e traduzidos livros de Ana Maria Machado. Em seu livro Contracorrente (MACHADO, 1999)[viii], a autora relata que inicialmente o coelho branco curioso, personagem da história, era um brinquedo de sua filha Luísa, mais branca que os demais irmãos advindos do primeiro casamento de Ana Maria Machado.
Assim, a mãe criava brincadeiras em que o tal coelhinho perguntava por que Luísa, sempre enfeitada com laço de fita, era tão branquinha. Os irmãos ajudavam argumentando que era por comer muito arroz, ou beber leite demais etc.
Mas afinal a protagonista de Menina bonita do laço de fita (MACHADO, 1986) é negra. Para justificar a transformação e escrever a história por sugestão do segundo marido, seguem-se as palavras da autora transcritas em Contracorrente (MACHADO, 1999):
Gostei da idéia, mas achei que o tema de uma menina linda e loura, ou da Branca de Neve, já estava gasto demais. E nem tem nada a ver com a realidade do Brasil. Então a transformei numa pretinha, e fiz as mudanças necessárias: a tinta preta, as jabuticabas, o café, o feijão preto etc.
Fica claramente declarada a intencionalidade de Ana Maria Machado em fugir ao cânone e revelar enquanto protagonista uma menina negra, fato pouco comum em títulos de literatura infantil. Essa falta de identificação de leitores negros com as personagens de histórias é objeto de pesquisas atualmente em diversas áreas, sobretudo investigando em que medida há reflexos na ideologia construída para os não-brancos.
Sendo assim, o destaque principal dado à menina negra garante identidade de protagonista aos negros, de quem sempre foi legada a posição de outro, o não-branco. Vários movimentos de valorização da cultura negra vêm-se proliferando como reflexo da valorização de uma das múltiplas margens desse centro branco e canônico. Multiplicam-se pessoas com camisas com dizeres 100% negro, até mesmo brancos usam a camisa num fenômeno atípico até então.
A busca da motivação para a diferença do tom da pele ser negro e a beleza a ele associada são as temáticas centrais da narrativa de Menina bonita do laço de fita (MACHADO, 1986). Os elementos usados logo no início do livro estabelecem de forma poética pontos de comparação para a negritude da menina: "Os cabelos eram enroladinhos e bem negros, feitos fiapos da noite. A pele era escura e lustrosa, que nem o pêlo da pantera negra quando pula na chuva." (MACHADO, 1986 - p. 4)
A questão dos cabelos é uma preocupação constante das mulheres que, muitas vezes, querem modificar o visual a fim de pertencerem ao modelo canônico de beleza: cabelos lisos. Para isso, muitas submetem-se a verdadeiras experiências químicas e desprezam suas características naturais. Na narrativa de Ana Maria Machado, as trancinhas ganham ênfase enquanto enfeite da beleza da menina. Essa marca de identidade negra agora está sendo usada por pessoas brancas numa tendência pós-moderna de mescla de elementos culturais.
A referência de princesas e fadas dos contos de fadas que foi reproduzida por muito tempo nas obras de literatura infantil remete a uma figura branca e loura. Ana Maria Machado destaca a menina do laço de fita como uma princesa africana ou uma fada do Reino do Luar, numa reversão completa do modelo canônico. Percebe-se claramente uma tentativa de destacar conotações positivas para a figura do negro.
A grande curiosidade do coelho branco, personagem da história, é saber como a menina conseguira ficar negra e tão bonita. Esse questionamento infantil é muito comum, sobretudo se a criança negra sente-se como o elemento diferente, à margem. Por que sou negro? é uma pergunta difícil de responder, pois ela envolve não só a cor da pele mas tudo o que social e culturalmente isso representa.
Para responder a essa demanda do coelhinho, a menina, que também não sabe o motivo, usa seu poder inventivo, a imaginação. Justifica a negritude por ter caído em tinta preta quando pequena, associa a muito café bebido ou a ter comido muita jabuticaba e feijoada. Convém destacar que café, jabuticaba e feijoada são elementos típicos da cultura nacional, muitas vezes também não privilegiados como referências literárias.
Não há uma resposta definida para o fato de a menina ser negra e nem uma preocupação nesse sentido. O coelhinho, com o intuito de realizar seu desejo de ter uma filha pretinha e linda como a menina, descobre que é só arrumar uma parceira preta. Com a associação do branco com o negro, revela-se a mestiçagem, pois nascem filhotes brancos, cinza, negros e mesclados. A idéia da mescla e da heterogeneidade típicas das tendências pós-modernas simbolicamente revelam-se nessa união, sem que haja qualquer natureza de oposição ou exclusão dos elementos. O que é o diferente? Quem define o igual para que se possa constituir, em oposição a ele, o que é diferente? Na história em questão, revela-se a diluição dessas diferenças através do nascimento dos filhotes, ainda que o destaque seja dado à coelhinha negra no final.
Fonte: CRISTIANE MADANÊLO DE OLIVEIRA. "TRAÇOS PÓS-MODERNOS EM ANA MARIA MACHADO: UMA VERTENTE INFANTIL DO QUESTIONAMENTO DO PODER"
Disponível em http://www.graudez.com.br/ litinf/trabalhos/anmachado1. htm Acesso em 17/9/2011
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