Situações de Sala de aula e formação continuada dos professores em HTPC

ESTUDO DE CASO - Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC)

Pequenas motivações, partindo de questões de interesse comuns aos professores, podem colaborar para o aprimoramento da leitura visual e outros aspectos da necessária formação continuada.


Para levantarmos questões pertinentes, sugere-se a leitura das correspondências abaixo:

Campos do Serrano, ... de setembro de 1998.

Oi, Emilia,

Como tem passado? Eu vou bem, com saudade das nossas conversas.

O que você achou do Encontro de Educadores? Eu, apesar de não ter ido, já conversei com algumas colegas que participaram e soube que foi muito interessante. Elas contaram muitas novidades, elogiaram bastante as palestras e trouxeram vários textos, dos quais já fiz uma cópia.

Sabe, ultimamente, eu tenho lido bastante, principalmente sobre a HTPC, que tem me interessado muito. Tenho me preocupado em levar para estas reuniões temas atuais da educação, para que possamos melhorar nossas práticas na escola. Mas tenho apanhado muito, porque orientar um grupo de trabalho não é fácil.
Aqui na escola, temos muitos professores, tanto mais antigos que conhecem bem os alunos e a escola, como recém chegados, que ainda estão se adaptando - o que traz diversidade para o corpo docente. Além disso, faz pouco tempo que trabalham juntos, as relações ainda são difíceis e eles não tem muitas idéias em comum sobre o que é ensinar, aprender, educar...
Pensando nas características desse grupo - e naquilo que entendo ser importante para a HTPC -,preparei uma reunião para os professores da manhã, levando questões que, para mim, poderiam ajudar o grupo a pensar um pouco sobre sua prática na sala de aula, sobre nossos compromissos e intenções com a educação: O que se ensina hoje na escola? Isso ajuda os alunos a compreenderem o mundo em que vivem?
Para estimular a discussão, escolhi o vídeo e o fascículo 1 do "Raízes e Asas" que recebemos no PEC, porque enfocam a preocupação com o acesso e a permanência dos alunos na escola, apresentando situações e depoimentos de pessoas de várias regiões do país. Achei que este material seria adequado, porque as escolas apresentadas no vídeo oferecem exemplos de práticas que revelam a intenção de formar sujeitos críticos, ativos e participantes. Além disso, a leitura do fascículo daria um suporte mais teórico à discussão do grupo. Como não tínhamos muito tempo, selecionei alguns trechos do vídeo e do texto que se relacionavam diretamente às questões que levantei.
Estas eram as minhas intenções, mas veja o que aconteceu:

Primeiro, assistindo ao vídeo, fiquei surpresa com a reação dos professores. Muitos debocharam do jeito simples de falar das pessoas filmadas; outros, ainda, comentaram que aquilo não tinha nada a ver com a realidade da gente e que o sucesso das atividades mostradas era inventado.
Achei melhor não deixar esta reação tomar conta do grupo e tentei chamá-lo para o eixo da discussão, insistindo nas questões e procurando associá-las às falas e situações apresentadas no vídeo. Ao invés disso, algumas professoras relataram atividades que faziam e que consideravam "bem sucedidas", porque envolviam os alunos e tornavam as aulas mais animadas.
De repente, em meio aos relatos, a professora de História (que entrou este ano) começou a dizer que, na 5ª série, estava sendo muito difícil tornar as atividades interessantes, porque as crianças não sabiam ficar quietas e eram desrespeitosas. A professora de Matemática não concordou, dizendo que essas crianças aprendiam com rapidez, desde que se soubesse lidar com elas. Essa discussão tomou conta do grupo; todos começaram a falar ao mesmo tempo: "As crianças da 5' série não param. Como é possível trabalhar com essas crianças?"; "O que é melhor ensinar para as nossas crianças?"; `A indisciplina na 5' série é muito grande: eles se engalfinham, não param quietos nem amarrados. “Desse jeito, não dá para trabalhar”; "Como será que as crianças aprendem hoje?"; "Essas crianças precisam aprender a ouvir e a ter mais respeito pelos os outros" etc.
Sem que eu me desse conta, o tempo da reunião acabou, houve um clima de desentendimento e não conseguimos encerrar a nossa discussão. Fiquei muito desanimada por não conseguir dar conta de tudo que tinha previsto na pauta e, sobretudo, da discussão em torno das questões que procurei levantar.
Fui para casa e comecei a escrever no meu diário tudo o que havia acontecido. Foi bom fazer isto, porque enquanto eu estava escrevendo, rememorando os acontecimentos, fui mudando a minha interpretação sobre o que havia acontecido.
Inicialmente, eu achava que o grupo de professores talvez tivesse resistido à discussão por se sentirem confrontados com as práticas que apareciam no vídeo. Depois, pensando melhor, achei que eu não soube conduzir a reunião: Por que insisti em questões tão amplas, teóricas e abstratas, se os problemas concretos da sala de aula estavam aflorando com tanta força no grupo? Não teria sido melhor começar a discussão a partir das dificuldades enfrentadas por estes professores?
E, Emilia, ainda tenho muito que aprender, você não acha?
Bom, como estou de saída para ir ao supermercado, vou aproveitar e colocar esta carta no correio.

Um beijo e até  mais ver,

Clarice

PS: E se combinássemos um encontro para qualquer dia desses?
Poderíamos convidar algumas pessoas com quem convivemos no PEC e promover um "chá  pedagógico". O que você acha?
 
Paraíso, ... de setembro de 1998.

Querida Clarice,

Pena você não ter podido ir ao Encontro de Educadores. Foi realmente muito bom! Adorei a idéia do "chá pedagógico". Precisamos contatar nossos colegas e agenda-lo. Acho que mais para o fim do ano será mais fácil...
Hoje estou um pouco cansada, pois, além de ter tido um dia muito corrido na escola (fazendo, como sempre, mil coisas), ainda tive que ir a uma reunião do meu condomínio para rediscutir regras de convivência entre os vizinhos. Não  é fácil! Isso me faz lembrar do meu trabalho com os professores, na HTPC. Se não estivermos sempre retomando e discutindo as regras e a organização dos trabalhos, as coisas não dão certo.
Lendo a sua carta, lembrei como foi difícil construir esse espaço de discussão e formação aqui na escola. Eu não sabia muito bem como deveria organizar esse momento. Ainda tenho muito a aprender, mas acho que estou encontrando um caminho, juntamente com os professores.
Pelo que li na sua carta, parece que você quis propor uma discussão de um tema geral que tivesse relação com as questões da sua escola. Por isso, eu acho que tanto as perguntas ("O que se ensina hoje na escola? Isso ajuda os alunos a compreenderem o mundo em que vivem?") quanto o material selecionado para introduzi-Ias foram muito pertinentes. Eles davam abertura para refletir sobre os problemas que os seus professores estavam apontando, como "O que é melhor ensinar para as nossas crianças?" e "Como será que as crianças aprendem hoje?". Portanto, não concordo que eles tenham se desviado do assunto, mas que o enfocaram de um ângulo que você não havia previsto.
Além disso, você  não acha que os professores que relataram suas experiências em sala de aula, particularmente as que estavam dando certo, também já  não estavam caminhando na direção da questão? Talvez tenha faltado organizar todos os relatos desses professores e relacioná-los às questões teóricas apontadas no material que você usou na reunião, associando-os à prática em sala de aula. É preciso sistematizar o saber dos professores, realizando um percurso que vai da prática à  teoria, voltando, então, novamente à prática.
Além disso, Clarice, acho que cada grupo possui uma dinâmica própria e que "tem movimento, é como se fosse vivo: forma-se, cresce, evolui, alcança a maturidade" (Raízes e Asas, 3: 10), como discutimos no PEC (Aliás, esse fascículo me trouxe elementos interessantes para trabalhar com o coletivo.
Acho que você poderia relê-lo!) Por isso, o que, para você, pareceu ser uma falta de integração, parece-me mais um movimento esperado. Aqui na escola, por exemplo, tenho me empenhado em ficar atenta para o movimento de cada um dos tantos grupos, porque eles são muito singulares. Nas primeiras reuniões, até pareciam bastante harmônicos, pois os professores procuravam conciliar suas idéias.
Todavia, tenho percebido que as divergências que surgem nessas reuniões, ao contrário do que possa parecer à primeira vista, têm feito com que o grupo aprofunde as discussões, cada um podendo aceitar opiniões divergentes às suas.
Para acompanhar o movimento dos grupos, costumamos fazer um registro, visando a sistematizar a história e a garantir a continuidade do seu trabalho. Anotamos todas as discussões das HTPCs: os avanços e o que ainda é preciso ser trabalhado; as ações programadas e as já realizadas. Por isso, as anotações são feitas num caderno próprio, que é lido e retomado a cada início da reunião, para que juntos possamos garantir a avaliação constante do trabalho executado, sentindo o clima do grupo, verificando se os objetivos estão sendo atingidos e fazendo a correção de "rota". Eu também costumo reler individualmente essas anotações e percebo que, nessa leitura posterior, interpreto os acontecimentos de outra forma e posso analisar o movimento do grupo, os problemas que apareceram. Assim, enxergo melhor o que parece ser a raiz do problema, posso selecionar o que acredito que já aprendemos e o que ainda precisamos saber. Quando faço isso, tenho a mesma impressão que tinha quando adolescente e relia meu diário... Você mesma disse que, quando escreveu sobre a reunião, começou a reinterpretá-la. Sabe, eu também faço isso, mas para cada um dos grupos separadamente.
Entretanto, Clarice, não são apenas essas questões da HTPC - organização e dinâmica dos grupos, conteúdos teóricos e práticos, registro - que têm me feito pensar. Na minha escola, temos batalhado por outros aspectos, também importantes para a garantia desses momentos como espaços de formação dos professores:
Este ano, reformamos e adaptamos uma sala (que anteriormente era um depósito) só para as HTPCs. Com a ajuda dos pais e dos professores, ela foi pintada, arrumada e mobiliada. A direção da escola providenciou um quadro mural. Ficou um ambiente bastante agradável!
Dividimos todas as tarefas entre os professores, como, por exemplo, o registro das reuniões e a manutenção do acervo de livros, textos, filmes e materiais pedagógicos.
Para garantir a comunicação e a socialização dos trabalhos da HTPC - que, a meu ver, são muito necessárias -, também buscamos adotar algumas medidas simples, além do caderno de registro: montamos murais nas paredes da sala dos professores e estamos pensando também em criar um jornalzinho da escola.

Além disso, as questões mais polêmicas - como também as de cunho mais geral - são sempre retomadas em outras reuniões, sejam de HTPC ou de Conselho de Classe, Conselho de Escola e Planejamento e Replanejamento.
É, Clarice, são muitas as propostas que devem ser pensadas quanto às HTPCs: as que te contei não são capazes de esgotar essa discussão.
Quero estar trocando com você, em outros momentos, mais figurinhas sobre o assunto. E por falar nisso, o pessoal aqui da DE está pensando em organizar um encontro, para CP e professores, cujo tema é HTPC. Assim que o encontro acontecer, prometo te passar o máximo daquilo que discutirmos OK?  
Beijão,
Emilia 
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SITUAÇÃO

Clarice procura organizar as HTPCs como um espaço de formação do professor e de construção do saber profissional. Vê, nestas reuniões freqüentes, a possibilidade de discutir uma infinidade de temas de interesse para os professores.  

PROBLEMA  

Clarice tem dificuldades no planejamento e na condução das HTPCs, porque seu grupo de professores é multo heterogêneo e trabalha junto há pouco tempo. Se os temas amplos podem avivar o interesse de todos, eles podem também desviar a atenção de assuntos talvez mais pertinentes ou urgentes. Pergunta-se: 

1. Como escolher os temas de reunião, garantindo o interesse de todos? 
Há que se diversificar ocasiões e pautas que assegurem a pertinência do assunto; enfocar HTPC por disciplina ou série é um caminho a ser explorado e que pode contribuir para assegurar a freqüência dos professores. 

2. Como trabalhar a dinâmica do grupo? 
Atividades que promovam a sociabilização e integração, a unidade das diferenças, mediante projetos ou metas comuns, são os parâmetros úteis para se utilizar. 

3. Como avaliar os resultados de uma reunião? 
Estabelecendo objetivos claros a serem alcançados e verificando a sua consecução. 

4. A Coordenadora Pedagógica opta por discutir um tema geral a partir do suporte de um texto e de um vídeo, mas avalia negativamente sua reunião. Para que as reuniões de HTPC cumpram seu objetivo, o que se faz necessário? 
Que as lideranças havidas no grupo não sejam despercebidas e possam ser trabalhadas divisões de tarefas; outro ponto importante é aquiescência do grupo quanto ao tema a ser trabalhado. Se faz necessário uma apresentação prévia da relevância do estudo a ser realizado, frente aos problemas que são encontrados ou mencionados pelo grupo.
5. Aceitar as diferentes posições do corpo docente significa “incluir”, implica apreço  à diversidade. Que significado social possui esta atitude por parte do coordenador? 
A gestão democrática prevê a existência de diferentes visões, enquanto se busca metas em comuns. Divergir na forma não significa divergir em conteúdo ou objetivo da prática educacional e deve ser considerado no contexto.

6. Utilizando como suporte a LDB 9.394/96, fundamente a questão acima. 
A gestão democrática prevista na LDB citada é contemplada, conforme no artigo 3 inciso III, mediante garantias ao “pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas”(sic), que deve existir durante o HTPC.

7. A professora coordenadora Clarice utilizou-se de um vídeo para introduzir um determinado assunto em seu HTPC. No ensino de Arte, como pode ser classificado esse recurso? Qual a sua função comunicativa? 
Vídeo é uma das expressões das Artes Visuais. Disso resulta aprimoramento dos meios comunicativos e acentua o seu caráter sócio-histórico, como um processo construído pelo ser humano. A principal função comunicativa de um vídeo em um HTPC é atender aos interesses pedagógicos, de aprimoramento do professorado, e deve pautar pelo conteúdo educacional, ser apresentado com objetivos pré-definidos e uma meta a ser alcançada. 

8. Talvez, um dos problemas enfrentados por Clarice seja a falta de alfabetização visual dos professores que ela coordena. Como Clarice poderá  promover esta alfabetização visual em seus HTPCs?
Como todo processo necessário, deve ser iniciado de alguma maneira. Há que se considerar pequenas motivações, partindo de questões de interesse comuns dos professores e que poderá despertá-los para a leitura visual.

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